A longa e tortuosa jornada para a transformação dos negócios
Não estamos vivenciando apenas mais um ciclo de inovações, mas uma transformação radical do mundo como conhecemos. Uma mudança de era. Como a sociedade industrial nos deixou como legado a eletrificação da sociedade, a transformação digital vai nos deixar a digitalização e cognificação da sociedade.
As empresas que vão sobreviver no século 21 terão que pensar de forma digital e criar modelos de negócio que reflitam este pensamento. Pensar digital é muito mais que digitalizar processos. Qual a diferença entre digitalizar um processo e pensar digital, reimaginando o processo? Pense em uma linha de produção de automóveis como a do Ford Model-T. O que é digitalizar o processo? Transformar esse processo, totalmente efetuado com atividades manuais, em uma linha inteiramente robotizada, automática. Mas, o processo é o mesmo. E pensar digital? Pense que o automóvel está sendo fabricado por uma impressora 3D, em uma ou poucas peças. Não existe mais a linha de montagem! É um novo modelo mental.
Se analisarmos o cenário de negócio veremos que hoje a imensa maioria das empresas baseia seus modelos de negócio nos conceitos da sociedade industrial. São as que fabricam produtos (a maioria das empresas) e as que fornecem serviços. Estes dois modelos compõem cerca de 90% das 1.500 maiores empresas do mundo. Depois temos as empresas criadoras de tecnologia e as orquestradoras de redes, estas últimas sendo apenas 1%.
Analisando-as em mais detalhes, vemos que as empresas que fabricam coisas (entregam valor fabricando e comercializando produtos físicos), como Ford, GM, Boeing ou Exxon tem seu foco em capital físico (fábricas e refinarias), tem alto custo de escalabilidade (fabricam um produto, vendem um produto) e margens menores, quando comparadas aos outros modelos de negócio. Seu multiplicador (price/revenue) situa-se na casa dos 2x, ou seja, seu valor de mercado aproxima-se de 2 vezes o seu faturamento. Os provedores de serviços, como as empresas de consultoria (Accenture, por exemplo) geram valor vendendo capacitação e, portanto, baseiam seu investimento em capital humano. Também tem sua escalabilidade limitada. Seu multiplicador situa-se em torno dos 3x, pois demandam menos investimento em capital físico, muito mais dispendioso. As empresas criadoras de tecnologia, cerca de 10% das 1.500 maiores, são tipicamente exemplificadas pelas empresas de software, como Oracle e Microsoft. Entregam valor através de ideias e tem uma vantagem em relação aos modelos anteriores, pois desenvolvem um produto e podem vendê-lo muitas vezes. Não estão limitados ao mundo físico. Seu multiplicador reflete essa escalabilidade, situando-se em torno dos 5x.
Mas, as estrelas do século 21 são as que chamamos agregadores ou orquestradores de rede. A diferença fundamental é que entregam valor através da conectividade e seus modelos de negócio se baseiam no conceito que muitos fazem e muitos compram, mas elas, por si, não fazem. Temos vários exemplos como as orquestradoras que permitem acesso à bens físicos como eBay, serviços (Uber), capital intelectual (Innocentive ou Kaggle) ou mesmo a acesso à rede de relacionamentos como Facebook (relacionamento social) e LinkedIn (relacionamentos profissionais). Escalam exponencialmente, pois não são intensivas em capital, seja este físico ou humano. Seu multiplicador situa-se em torno dos 8x! Entre as 10 empresas mais valiosas do mundo hoje estão Apple e Alphabet. A Apple pode ser considerada um agregador pois criou uma rede de apps em torno de seus smartphones que o valorizam exponencialmente. Sem a comunidade de apps, a Apple valeria muitíssimo menos que hoje. E, observem, não é a Apple que produz os apps.
Mas o que torna um modelo de negócio de um orquestrador de rede diferente dos outros modelos? Primeiro não são eles que fabricam seus produtos e serviços. Eles proveem a plataforma no qual terceiros colocam a venda e consomem coisas, serviços, ideias ou relacionamentos. São organizações exponenciais por natureza. O exemplo do WhatsApp é emblemático. Chegou a mais de um e meio bilhão de usuários, de 200 milhões em abril de 2013. Cresceu mais de 7x em cerca de seis anos!
E vem o questionamento. Fantástico, mas como esse conceito se aplica a minha empresa, um fabricante de automóveis, por exemplo? OK, não importa qual sua indústria, o modelo de negócios em rede, de orquestrador poderá ser aplicado. Quem fabrica automóveis provavelmente continuará fabricando automóveis, mas nada a impede de criar uma plataforma de mobilidade pessoal que permita terceiros ofertarem e consumirem seus automóveis. Em vez de “ter”, “usaremos” o automóvel. Um fabricante de automóveis, neste modelo, pode ser também uma locadora como Hertz ou Localiza, um agregador de serviços como Uber, e com veículos autônomos, também uma seguradora, pois não haverá necessidade de seguros individuais como hoje. O impulso deste potencial ainda inexplorado poderá vir dos veículos autônomos e do crescente fenômeno da shared economy. Afinal, hoje usamos em média entre 2 a 3% do tempo do nosso veículo. Por que não aproveitar os outros 97%?
Interessante analisar o ponto discutido acima. O conceito arraigado que as fronteiras de cada indústria estão claramente definidas, a base da competição é estável, o ambiente de negócios não sofre grandes abalos e a forte posição competitiva uma vez conquistada, pode ser mantida, está se mostrando totalmente falha. O cenário atual é muito diferente. Os limites de cada indústria não estão mais claramente definidos, mas estão borrados. Os ambientes não são mais estáveis, podendo ser abalados por startups disruptivas ou por concorrentes que adotam modelo de negócio diferente ou chegam de setor adjacente. Assim, forças competitivas persistentes podem ser destruídas do dia para a noite por uma empresa que digitalizou seu negócio físico ou transformou seu produto em um serviço.
Alguns estudos mostram que a ruptura já está acontecendo. Um estudo da Deloitte, “Exploring Strategic Risk” apontou que 53% dos CEOs acreditam que novos modelos de negócio, possibilitados por novas tecnologias, serão seu maior risco estratégico nos próximos anos. E, segundo a Forrester, 75% dos CEOs entendem que não possuem a estratégia digital adequada e nem dispõem de tecnologias pessoas, processos e organização capaz de executar esta estratégia.
Este é o desafio. A conscientização que um tsunami está se aproximando já está se consolidando. A questão é: como enfrentá-lo e sobreviver? Não existe resposta pronta. Cada empresa tem que descobrir seu próprio caminho.
Mas alguns princípios fundamentais serão necessários: a primeira e essencial é ser uma empresa ágil! Sem agilidade e velocidade de execução, a empresa vai ser facilmente ultrapassada. Além disso, deve:
a) estar antenada com as inovações contínuas e disruptivas que aparecem a cada dia,
b) ter consciência digital, ou seja, saber que precisa deslocar o eixo de sua importância do mundo físico para o digital,
c) investir em ativos intangíveis e ser aberta a colaboração intra e inter muros,
d) incorporar análise de dados em seu DNA corporativo,
e) ter líderes que pensam digital e estar aberta a novas possibilidades.
f) E, principalmente, não ficar preso aos modelos mentais que fizeram o sucesso da empresa até aqui.
Por exemplo, vamos abordar o deslocamento do físico para o digital. Falamos em apps e a sociedade está cada vez mais dependente deles, para todas as nossas atividades. Emblemática é esta constatação feita por uma reportagem de 2015 do New York Times, “A 21st-Century Migrant’s Essentials: Food, Shelter, Smartphone” que mostra quão importante são os smartphones para os refugiados que estavam fugindo das guerras na Síria e outros locais conturbados.
Pense em sua empresa. Você tem apps que permitem seus clientes interagirem com você quando e como eles quiserem? Ou seu app nada mais é um web site embutido em um smartphone? Recomendo ler o artigo da Economist, do final de 2014, mas ainda extremante atual, “There’s an app for that” que mostra exemplos práticos de como a tecnologia está remodelando a própria a natureza das empresas e do trabalho. É um fenômeno que não pode, em absoluto, ser ignorado.
Mas, esperem um minuto. Será que os smartphones e apps vão continuar tão importantes assim? Se analisarmos os apps vemos um deslocamento da inovação para bots e o surgimento de tecnologias como a realidade aumentada. Se convergirmos tecnologias como Inteligência artificial, realidade aumentada e reconhecimento de voz será que ainda teremos smartphones no futuro? Não precisaremos tocar em nenhuma tela e portanto, o smartphone, como conhecemos hoje, poderá desaparecer. Portanto, a transformação digital é fluída, não cessa. O fato de ter criado um app hoje, não significa que o trabalho acabou. A transformação digital, é por natureza, é uma atividade em constante transformação.
A estratégia digital, para empresas que ainda tem seu negócio tradicional como relevante, deve passar por questionamentos como:
a) Até que ponto meus produtos físicos podem embutir o digital? Voltando ao exemplo do automóvel, ele está se tornando praticamente software sobre rodas.
b) Em que ponto da escala de retardatários a inovadores, minha empresa está posicionada?
c) Temos capacitação e estratégia para deslocarmos este posicionamento na direção, abrangência e velocidade necessárias para sobrevivermos? Vale a pena ler o alerta do ex-CEO da Cisco, John Chambers, em um evento em 2015, “Retiring Cisco CEO delivers dire prediction: 40% of companies will be dead in 10 years”. Nas suas palavras, a 25.000 presentes ao evento, “Forty percent of businesses in this room, unfortunately, will not exist in a meaningful way in 10 years” e complementou: “that 70% of companies would “attempt” to go digital but only 30% of those would succeed”.
A transformação dos modelos de negócio pela revolução digital é uma jornada. O ponto de inflexão, o momento na vida de uma empesa em que o básico está prestes a mudar, está muito mais perto que muitos executivos imaginam. Implementar tecnologias por si não é suficiente. É apenas a base para construir novos modelos de negócio, que aí sim, farão a jornada digital ser bem-sucedida.
Quando observamos, alarmados, que desde o ano 2000, 52% das empresas da lista da Fortune 500 foram adquiridas, perderam relevância ou faliram, é impossível não fazer uma correlação com a evolução e disseminação exponencial da tecnologia. Novos modelos de negócio criados por startups e empesas pós-Internet tem sido uma das principais causas destas mudanças. Portanto, deslocar seu posicionamento do físico para o digital não é opção, mas necessidade. Enfrentar a realidade é muito duro, agride paradigmas solidamente estabelecidos, mas é o único caminho.