A TI não será mais apenas uma TI…

Cezar Taurion
6 min readJun 19, 2019

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Que as empresas estão sendo ou serão afetadas pela transformação digital não se discute mais. Todo dia vemos uma notícia de como essa transformação está afetando as empresas. Em 2017, o CEO global da Coca-Cola, James Quincey, afirmou que a era digital está tirando vendas da empresa. Segundo ele, os consumidores estão comprando cada vez mais pela Internet, passando mais tempo em apps móveis e recebendo mantimentos em casa. E isso está abalando a Coca-Cola de modos surpreendentes. Quando os consumidores deixam de ir ao shopping e passam a comprar roupas pela Internet, também deixam de comprar Coca-Cola em uma máquina de venda automática ou na praça de alimentação. Uma frase dele é emblemática: ”a tecnologia digital está mudando o comportamento das pessoas. Isso afeta outras categorias que não são o principal motivo de sua ida ao shopping”. Sua prioridade agora é transformar a empresa em um vencedor da era digital, em vez de outra vítima.

A mudança de hábitos afeta todos os setores. Aqui no Brasil, o setor bancário é um exemplo. Os aplicativos de banco pelo celular responderam por 40% de todas as 78,9 bilhões de transações financeiras feitas no país no ano passado, segundo dados da Pesquisa FEBRABAN de Tecnologia Bancária 2019 (ano-base 2018), realizada em parceria com a Deloitte. Há cinco anos, por exemplo, os aplicativos bancários no celular contribuíam com apenas 10% das transações financeiras no país.

Com maior ou menor intensidade todos os setores serão afetados. Quanto mais digitalizado o produto, maior será o risco de passar por uma ruptura em seu modelo de negócios. Mesmo setores regulados sofrerão com novos entrantes. O debate fundamental, portanto, passa a ser agora é qual a magnitude deste impacto em cada empresa ou setor de negócios. Os CEOs e obviamente os CIOs, pois a tecnologia está no cerne das mudanças, devem questionar se o atual modelo de negócios continuará válido no mundo digital ou se será necessária uma mudança significativa na natureza de como a empresa faz negócios. Devem também questionar se a atual estrutura organizacional estará adequada ao mundo digital e qual a velocidade com que estas mudanças deverão ser implementadas.

Nas conversas com muitos executivos fica claro que muitos já estão conscientes da necessidade de mudanças, mas que não está nítido de como começar. Uma mudança desta magnitude e complexidade, envolve toda a organização e a liderança deve estar com o CEO. Sem comprometimento da liderança pouca coisa será realmente mudada.

O que a liderança da organização precisa fazer? A primeira e imediata ação será incluir a estratégia digital nas estratégias de negócio, em todos os aspectos do negócio, dos canais e processos, ao modelo de operação e cultura. Não existe tal coisa de estratégia digital dissociada da estratégia de negócio, como se transformação digital fosse uma ação isolada, de alguma área especifica da empresa. Esta ação significa envolver diretamente o CIO nas estratégias de negócio. Sim, por incrível que pareça, hoje em 2019, em muitas empresas o CIO ainda não faz parte realmente dos C-levels. Tem um título honorífico, mas não participa e se engaja nas estratégias de negócio. Apenas é comunicado do que a empresa quer fazer!

O desafio é que muitos CIOs não estão preparados para assumir este papel. Participo ativamente de vários eventos com CIOs e tenho contato com algumas centenas de executivos e observo que, infelizmente, existe uma parcela significativa de CIOs ainda muito direcionados para infraestrutura, com viés excessivamente tecnológico. Este perfil não é adequado para efetuar com sucesso a transformação digital, e tenho dúvidas se todos os CIOs com esse perfil muito técnico conseguirão cruzar a ponte para exercer um papel mais estratégico e voltado a negócios.

O perfil do CIO de uma empresa na era digital é diferente do atual e que o fato deles estarem atualmente ocupando esta cadeira não é garantia de permanecer nela no futuro. A própria TI não é mais apenas uma TI. TI não é mais um setor operacional que acelera os processos existentes, como foi nos anos 80, 90 e 2000, e ainda tem sido em muitas empresas. Agora, deve estar totalmente integrada ao negócio. Aliás, o negócio não existe mais sem tecnologia digital. Sem a “nova TI”, as portas não abrem, os aviões não voam, as filas se acumulam e você não pode sequer pegar um café.

TI deve deixar para trás a imagem de ser apenas um departamento ou serviço operacional. Deve começar a exercer uma influência significativa sobre o que e como as organizações vão operar. TI deixa de ser facilitador, para ser parte integrante do negócio. Digital passa a ser o coração dos negócios.

Infelizmente a realidade nos mostra que muitos CEOs e demais executivos ainda olham TI como operacional. Muitos deles quase não têm contato sistemático com os seus CIOs. Entretanto, as empresas, qualquer que seja seu setor de indústria sentirão, em maior ou menor grau, os efeitos da digitalização. Não reconhecer o impacto da transformação digital é escolher ser vítima, e não ser vencedor.

Os CIOs, sabedores dessa ameaça, tem obrigação profissional de alertar os demais executivos e principalmente seu CEO, de que distância sua empresa está do epicentro desta transformação. Devem agir de forma pró-ativa e fomentar o debate com os executivos sobre este tema. Promover debates e sessões de inspiração de como a sua empresa será afetada e qual a magnitude desta mudança.

TI, por sua vez, não vai passar incólume pela transformação digital. Seus processos e modelos de governança, sua maneira de desenvolver e entregar sistemas, serão transformados. O conceito ágil vai se tornar o novo modelo mental de operar TI. TI deve assumir um “espírito digital”, que é pensar e agir como uma empresa digital, e não como um departamento burocrático mais preocupado com aderência às regras de compliance, relutante às inovações. O novo modelo de TI necessita muito mais tolerância à riscos e adoção de conceitos como “fail fast”, hoje uma heresia no pensamento de muitos profissionais e executivos de TI.

O próprio ecossistema de fornecedores da TI estará em transformação. Os principais fornecedores de serviços e produtos de hoje não serão necessariamente os mesmos daqui a alguns anos. A maioria das inovações surge de startups e, portanto, o CIO terá que lidar com um ecossistema muito mais fragmentado que o atual.

O CIO da empresa digital será avaliado não apenas pelo básico, de manter a “casa das máquinas”, mas pela sua habilidade em aconselhar e conduzir a empresa na sua transformação. TI não será um centro de custos a ser podado, mas um parceiro estratégico, ajudando a desenhar e entregar soluções que gerem novas receitas. O CIO dessa “nova TI” será estratégico. Um executivo que estará no mesmo nível decisório dos demais C-level e que não os trata como seus clientes, mas como parceiros em busca de um objetivo comum. O cliente do CIO estratégico é o mesmo dos demais C-level, os que estão lá fora, comprando os produtos que sua companhia vende. O CIO estratégico ajuda a desenhar as estratégias da corporação e não apenas fica em standby aguardando que as estratégias sejam definidas e que as ações operacionais lhe sejam designadas. O CIO estratégico atua junto ao CEO e não apenas fala com ele pontualmente. Afinal, o CEO está no cerne das decisões estratégicas e, portanto, se a empresa considera que a tecnologia é estratégica, o principal parceiro nestas discussões deve ser o CIO. O CIO estratégico é, portanto, aquele que a empresa considera seu principal estrategista digital.

Dentro de cinco praticamente todas as empresas serão transformadas pelo avanço exponencial da tecnologia, muitas delas consideradas ficção científicas até a poucos anos. Fazer parte desta jornada e melhor, fazendo ela acontecer na empresa, é uma oportunidade única na vida profissional de um CIO. Porque desperdiçá-la?

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