Bem-vindo ao futuro da medicina!

Cezar Taurion
6 min readMar 23, 2021

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A tecnologia está inundando a medicina com novos tratamentos, novas drogas e novos protocolos. Mas, por outro lado, o modelo de negócios e o paradigma dominante (doença e não saúde) continua sendo o mesmo de cem anos atrás. Claramente existe um descompasso entre as possibilidades que as tecnologias digitais oferecem e a prática, processos e modelos de negócios adotados pelo ecossistema de saúde.

No lado tecnológico, com a aceleração exponencial das tecnologias digitais, nunca houve na história da medicina avanços tão rápidos em tão curto espaço de tempo. A cada dia nos surpreendemos com inovações que mudam nossa maneira de ver a medicina. Se recuarmos a uns meros dez anos atrás não imaginaríamos o que temos hoje, com smartphones, wearables, IA, robótica, VR/AR, impressoras 3D e bilhões de usuários em redes sociais provocando transformações radicais nas tecnologias médicas. O ritmo de inovações se acelera continuamente e já é impossível para um profissional de medicina se manter minimamente atualizado. A pandemia acelerou em muito o processo de mudanças, quebrando resistências como à que existia, por exemplo com relação à telemedicina.

Estamos no início de um profundo redesenho do que entendemos como setor de saúde, afetando a pacientes, profissionais, hospitais e todos os atores envolvidos no ecossistema.

O grande desafio neste redesenho não é fazer com que a tecnologia substitua a interação pessoal e humana do(a)s médico(a)s e enfermeiro(a)s com os pacientes, mas tornar essa interação mais frequente e empática. É fazer com que as inovações tecnológicas eliminem tarefas robotizáveis, minimizem erros e ineficiências, e tornem a medicina mais humana. Tecnologia e humanidade não são incompatíveis, mas sim devem atuar em sinergia. A relação dos profissionais de saúde com os pacientes, baseada na confiança mútua, é crucial para qualquer tratamento e, portanto, devemos estar preparados para balancear as cada vez mais frequentes e disruptivas inovações tecnológicas com a nossa humanidade.

Embora predições sejam muito difíceis de se concretizarem, algumas tendências já estão delineando o futuro da medicina.

Os pacientes estão cada vez mais empoderados. Com smartphones e wearables eles têm a internet no bolso. Podem acessar informações do mundo todo com um simples toque ou até mesmo interagindo via voz com um assistente virtual. As informações estão disponíveis e é claro que as pessoas pesquisarão sobre seus sintomas na internet. O novo papel do médico não é menosprezar essa atitude, mas ajudar a fazer as pesquisas corretas, agindo como curador. A relação do(a)s médico(a)s com seus pacientes muda. Não é mais autoritária e unidirecional, mas colaborativa. O paciente bem-informado não é ameaça, mas um aliado e colaborador. Cem anos atrás nós só poderíamos saber se tínhamos diabetes indo ao médico e agendando exames de laboratório. Hoje temos monitores de glicose e tiras que permitem que façamos isso em casa. Não significa que o endocrinologista vai desaparecer, mas pelo contrário, ele poderá ter acesso a informações muito mais frequentes que os esporádicos exames solicitados anteriormente e dedicar a maior parte do tempo da consulta a entender melhor quem é a pessoa, o ser humano, e as prováveis causas que levaram ao diabetes e dessa forma agir de forma mais preditiva, assertiva e contínua.

Isso nos leva a uma segunda tendência: o redesenho do ensino da medicina. O ensino atual ainda está concentrado no paradigma da doença e não na saúde (médico é treinado para curar doença e não manter a saúde), com pouca ênfase no conhecimento e aplicação das tecnologias digitais que surgem a cada dia. Os médicos, em sua maioria ainda são formados como médicos analógicos, não saem fluentes digitais.

Vamos pensar no desafio. Uma formação médica leva seis anos e mais dois de especialização. São oito anos para se formar. Em oito anos, por exemplo, em 2029, com a evolução exponencial da tecnologia, podemos imaginar o cenário da aplicação dessas tecnologias? Já estaremos imprimindo comumente órgãos humanos por impressoras 3D? Os assistentes virtuais e os wearables estarão monitorando os pacientes desde o acordar até o adormecer, sinalizando quaisquer sinais de anomalia como stress, variação do batimento cardíaco, pressão arterial e nível de hemoglobina no sangue. Sintomas de tosse e mesmo aqueles sinais na pele são fotografados pelo próprio paciente e enviado para o dermatologista. Microcontrações na face podem indicar um sinal de problema cardiovascular e o cardiologista é informado em tempo real. Tecnologias como AR/VR fazem parte do dia a dia e os assistentes virtuais assessoram o médico como um colega de trabalho, o ajudando nos diagnósticos, sugerindo linhas de raciocínio que ele não pensaria sozinho. Impossível? Onde estávamos oitos anos antes? Aliás, se adicionarmos o fato que a evolução tecnológica é exponencial, seria mais adequado perguntar não onde estávamos oito anos antes, mas quinze ou vinte anos antes. É como hoje estivéssemos no ano 2000. Lembram de como era nosso dia a dia?

Isso nos leva a considerar que o sistema atual de ensino da medicina deve ser repensado. Tem que ser mais dinâmico e compatível com a evolução das tecnologias digitais e seu potencial de aplicabilidades.

Essas mudanças afetarão todo o ecossistema de saúde e, sem sombra de dúvidas, afetarão radicalmente os hospitais. As mudanças serão não apenas no uso de tecnologias, mas nos projetos arquitetônicos de seus prédios e nos modelos de negócio. Técnicas cada vez menos invasivas demandarão ciclos de internações mais rápidos e os próprios ambientes demandarão um ambiente mais voltado ao paciente. Hoje, a maior parte dos hospitais mantém quartos e CTIs similares aos que foram desenhados décadas atrás, em mundo analógico. Os hospitais do futuro terão tecnologia digital não apenas nas salas cirúrgicas, com robôs, mas embutida em todos os seus processos. Smartphones e assistentes virtuais não serão equipamentos proibidos, mas farão parte do processo de tratamento. Os quartos similares a celas de presídios, corredores intimidadores, médicos e assistentes com planilhas em papel, batendo cabeça com falta de informações, troca de turnos gerando confusão, barulhos que geram ansiedade e inquietação, enfermeiros entrando de madrugada para medir sinais, tudo isso que hoje é comum, pode e deverá ser substituído por tecnologias digitais para dar mais conforto e assistência ao paciente. O hospital do século 21, com as tecnologias do século 21 não poderá conviver com uma arquitetura e processos do século 20.

A mudança também se dará nos modelos de negócio. Doenças crônicas poderão ser tratadas em casa, com auxílio de tecnologias digitais. Muitos dos exames hoje feitos nos hospitais serão efetuados em casa. O hospital provavelmente vai se concentrar nas cirurgias e pós-cirurgias.

Parece um cenário futurista, que muitos imaginam só acontecerá em décadas. Mas, o futuro está logo ali. As práticas médicas, as profissões, e o ecossistema de saúde como um todo estão em transformação. As tecnologias digitais farão parte do dia a dia da medicina e provavelmente, no futuro, o símbolo do profissional vestido de jaleco branco com estetoscópio será substituído pelo jaleco com smartphone.

A Hospital Innovations Magazine vem com o propósito de debater esse futuro. Entendemos que o futuro não chega de repente. Ele é construído passo a passo. Precisamos pensar exponencialmente, mas agir de forma incremental. As mudanças não surgem de imediato, mas levam tempo para transformarem e mudarem os hábitos da sociedade. Quando o Projeto Genoma foi concluído, imaginou-se que a medicina seria totalmente transformada em poucos anos. Entretanto, levamos mais de uma década para implementar uma variante genômica. Queremos eliminar o hype que surgem com tecnologias disruptivas, analisar as tendências e extrapolar o futuro de forma responsável. Não ficaremos presos a um ou outro movimento ou filosofia futurista, como o transumanismo, pois entendemos que as mudanças serão decorrentes da convergência dos diversos conceitos.

A publicação quer ser um porta-voz dessas mudanças, quer debater com todos os atores, sejam esses gestores hospitalares, médicos, pacientes, planos de saúde, governos, startups, ecossistemas de inovação, sistemas de educação médica, e empresas fornecedoras de tecnologias e soluções, quais rumos tomar, que trilhas deverão ser seguidas. Mas, além do sistema de saúde, também estenderemos o olhar para outros setores, pois as inovações são transversais e muitas inovações que ocorrem em outras áreas do conhecimento humano podem criar ondas de choque que provavelmente afetarão a própria medicina. Por exemplo que inovações médicas não poderão ser pensadas a partir da evolução da IA, nanotecnologia, robótica, veículos autônomos ou mesmo do setor de energia renovável?

De fora colaborativa, com artigos oriundos de todos esses profissionais, entrevistas com os atores envolvidos, e análises e estudos mais aprofundados, queremos participar desse processo de transformação do ecossistema de saúde. Queremos ajudar a construir a medicina do futuro. Uma medicina que poderá eliminar muito do trabalho robotizado que vemos hoje e tornar a medicina cada vez mais humana.

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