Boi lerdo só bebe água suja…

Cezar Taurion
5 min readSep 17, 2019

--

Outro dia estava lendo atentamente o relatório Global Innovation Index, na sua versão 2019, e com tristeza observei que o Brasil está na 66◦ posição. Muito ruim! Precisamos fazer muito mais para termos condições de sermos competitivos e nos integrarmos às cadeias globais. A disrupção no cenário de negócios já é um fato. O fenômeno da chamada Quarta Revolução Industrial faz com que toda a sociedade e consequentemente todas as indústrias estejam diante de oportunidades e ameaças. E esta transformação está acontecendo em ritmo exponencial. As ameaças são empresas ou setores de indústria simplesmente desaparecerem. Diante das mudanças aceleradas que estão acontecendo, as empresas tradicionais, consolidadas em seus modelos de negócio construídos antes da revolução digital, buscam se defender lutando, muitas vezes apelando para regulação, contra os novos entrantes, que criam disrupção no seu mercado. A questão que estes entrantes trazem soluções inovadoras, que tornam obsoletos muitos dos negócios que sustentam as empresas atuais. Uma Inovação disruptiva parte do princípio básico de questionar o “status quo”. É um tema que desperta atenção e foi maioria em uma pesquisa que recentemente fiz na lista de livros de negócios mais vendidos na Amazon. Não estamos aqui associando inovação a P&D, mas abordando a inovação que possibilite às empresas fazerem as coisas de modo diferente, criarem novos produtos, serviços e até mesmo, novos modelos de negócio.

Tenho levado o tema a vários debates e reuniões com C-levels e observei que, embora seja um assunto recorrente, muito tem sido falado, mas realmente, pouco tem sido feito. As empresas e obviamente a área de TI, vem constantemente concentrando seus esforços em aperfeiçoar e tornar mais eficientes seus processos e modelos de negócios consolidados e muito dificilmente questionam o seu “status quo”. As vezes imagino se a motivação de um negócio hoje não seja apenas sustentar o problema ao qual ele é a solução… TI por exemplo, pelo seu viés operacional, se tornou uma máquina muito eficiente em garantir consistência, aderência a regras de compliance e disponibilidade. Por outro lado, mostra-se arredia às experimentações e disrupções. Quando o faz, é um setor isolado, muitas vezes chamado pomposamente de “lab”, mas com protótipos que apenas servem para gerar notícia de mídia. Seu pensamento fundamental ainda é que os sistemas têm que dar certo e funcionar exatamente como planejado. Falhar não está em sua cartilha, e, portanto, conceitos como “fail fast, learn fast” lhe são estranhos.

Por outro lado, vivemos uma era de transformações e torna-se cada vez mais nítido a ligação direta entre inovação, crescimento e sobrevivência dos negócios. Foi emblemática a conversa recente que tive com um executivo de uma área que se denominava “IT & Innovation”. Ao saber que o projeto que eu propunha em parceria com uma startup super inovadora, não tinha sido feito antes em nenhuma outra empresa, e que ele seria o primeiro, e por isso, teria a vantagem de ser o disruptor, recuou. Não é culpa dele, claro, mas ele demonstrou ali a cultura da organização ao qual ele pertence, onde a tolerância à inovação e consequentemente à riscos é muito baixa. Inovação, na empresa dele, era basicamente incremental, ou seja, tornar o que é feito atualmente, sejam serviços e produtos, mais eficientes. Sem questionamentos se isso seria garantia de sucesso no futuro. O futuro, para esta organização (e para muitas outras) é plenamente linear e, portanto, controlável. Triste engano!

As inovações estarão cada vez mais sendo impulsionadas pelas tecnologias digitais e em consequência o CIO estará no epicentro do vértice destas mudanças. Apps contextuais de voz, Impressoras 3D, IoT, computação cognitiva, veículos autônomos, drones, RA/RV, blockchain, 5G e outras, fazem uma lista quase interminável de potenciais tecnologias disruptivas à vista, provocando transformações significativas em quase todos os setores de negócio. Mas na maioria das empresas e em suas áreas de TI elas são vistas ainda como curiosidades tecnológicas, ainda distantes de sua realidade. “Ah, isto está distante de nossa realidade”, e uma frase bem comum, mas que embute um erro: a empresa não está em outro planeta. Provavelmente, se fosse dita no início do século passado, diante do surgimento de uma nova e revolucionária tecnologia, a eletricidade, ela não estaria operando hoje.

O fato é que os clientes estão cada vez mais digitais e empoderados, demandando inovações contínuas, e melhores e mais flexíveis serviços e acessos à empresa. Ninguém fica mais na chuva esperando um táxi. Chamam o Uber. As que não entenderem estes sinais correm risco de perda de relevância e até mesmo, sobrevivência. Modelos de negócios consolidados nas últimas décadas não são garantias de sucesso para os próximos anos. Disruptores, geralmente startups que ignoram as “máximas” dos negócios atuais criam novos modelos de negócio que simplesmente derrubam empresas sólidas e bem gerenciadas. Vimos isso em indústrias dinâmicas, como a de celulares, onde outrora líderes como Motorola, Nokia e BlackBerry perderam toda relevância.

Inovação não existe no vácuo. Isso implica que além de cartazes na parede incentivando a inovação, devem existir estratégias e ações que façam acontecer as boas ideias que surgem dentro e fora das empresas. Inovação não é algo pontual, tipo “Innovation Day”, mas processo contínuo que deve se inserir no DNA da empresa. Inovação não é uma estratégia por si mesmo, mas um meio para se manter competitivo. Um sinal que se fala muito em inovação, mas faz-se pouco é a análise de uma pesquisa que ajudei a elaborar e analisar. Nela os CIOs de grandes empresas dizem enfaticamente que inovação é crucial, mas quando perguntados se havia budget reservado para inovar, a imensa maioria disse que não. Ou quando havia era uma ínfima porção dos gastos do setor. Inovação sem investimento não é inovação, mas mágica.

Olhar para outros setores de indústria é salutar pois é provável que muitas práticas inovadoras surjam primeiro em outros negócios. Se você olhar apenas para seus competidores, talvez todos sofram a disrupção juntos. Repense a sua competição! A visão executiva deve ser: “se a disrupção é inevitável, é melhor que nós a façamos e não outros a façam em cima de nós”.

Os novos modelos de negócio proporcionados pela transformação digital exigem um pacto entre TI e negócios. Não dá mais para a TI avançar devagar neste processo. Não pode ser conduzida, mas deve conduzir. É necessário que um sentimento de urgência prevaleça não só na TI como na alta gestão. As mudanças, inevitáveis, já estão às portas. Torna-se crítico entender que a era digital provoca rompimento dos modelos atuais. E não dá para negociar com disrupções!

Nas conversas com CIOs e outros C-levels fica claro o desafio que eles enfrentam. Muitas empresas são reativas às inovações e em muitas organizações de grande porte, os processos e sistemas legados, e os silos organizacionais são âncoras que os impedem de se moverem com agilidade. Devem cortar estas âncoras. O mercado não vai perdoar uma empresa lerda, por causa de seu tamanho. Disrupção não aceita desculpas. Infelizmente para muitas grandes empresas a competição nos próximos anos vai ser cada vez menos o “grande derrotando o pequeno” e sim “o mais rápido derrotando o mais lento”.

--

--

Cezar Taurion
Cezar Taurion

No responses yet