Conectando IA à estratégia de negócios

Cezar Taurion
5 min readOct 7, 2024

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Se a aplicação da IA permite repensar novas estratégias, criar novos modelos de negócio e influenciar comportamento dos consumidores, estabelecendo novas formas de relacionamento entre a empresa e eles, não faz sentido que essas ações sejam dispersas pela organização, em setores isolados, com pouco engajamento dos executivos. Iniciativas isoladas de cunho essencialmente técnicos não potencializam a IA. Tecnologias transformadoras são por definição, estratégicas para a organização e devem ser foco de atenção dos executivos seniores da empresa.

Assim, a estratégia de negócios e as aplicações de IA devem ser conectadas. Uma influencia a outra. Para que as decisões de negócio sejam influenciadas e contemplem aplicação de IA é necessário:

1. Evangelizar e educar os executivos seniores da importância estratégica da adequada aplicação da IA, suas potencialidades e limitações. Não se espera que esses executivos sejam fluentes em modelos e programação Python, mas devem ter fluência digital necessária para compreender e avaliar oportunidades de seu uso na empresa.

2. Com essa fluência, os executivos podem considerar de forma mais adequada como incorporar a prioridade e o ritmo de adoção da IA na organização. Provavelmente as discussões estratégias deverão contar com apoio e suporte de pessoal mais técnico que ajude a fazer a ligação entre a tecnologia e o negócio. Isso pode implicar em repensar a maneira como as empresas tomam decisões estratégicas.

3. A incorporação da IA na empresa demanda investigação de como os modelos serão integrados com os demais sistemas e exige ações como implementação de uma política de governança de dados, criação de um comitê de governança para as iniciativas de IA, bem como a formação e contratação dos talentos que sejam necessários. É importante considerar que o comitê de governança será responsável pela análise e aprovação das propostas de uso de IA sob a ótica de aderência à regulação e regras de compliance, ética, mitigação de vieses, bem como analisar o grau de risco de seu uso (risk assessment). Deve ter participação ativa de executivos seniores da organização.

Dessa forma vemos claramente que a aplicação da IA nas empresas não deve ser domínio exclusivo dos cientistas de dados. A participação e engajamento dos executivos seniores e dos responsáveis pelas áreas de negócios que sejam diretamente impactadas devem ter voz ativa e serem os “sponsors” dos projetos.

Uma estratégia de negócios que adote IA como tecnologia transformadora pode analisar seu uso em diversos aspectos do negócio, considerando a visão e contexto e estratégico da empresa e o potencial da tecnologia.

Vamos analisar três usos transformadores:

1. Criar novos negócios, novos mercados ou novos modelos de negócio.

2. Influenciar o comportamento dos clientes e melhorar sua experiência de uso dos produtos e serviços, estabelecendo novos modelos de relacionamento entre a empresa e eles, e

3. Transformar as operações, tornando a empresa mais eficiente e efetiva nas suas atividades

Vamos analisar um pouco mais a fundo cada uma dessas três possíveis iniciativas, considerando que não são exclusivas. Mais de uma pode ser adotada, e o que vai decidir as prioridades é exatamente as decisões estratégicas da empresa.

Criar algo novo. Em muitos casos a aplicação da IA não apenas torna as operações mais eficientes, mas permite que novos negócios sejam construídos. Ou mesmo que sua aplicação permita a reengenharia de produtos e serviços atuais criando novas ofertas para o mercado.

Influenciar o comportamento dos clientes e melhorar a sua experiência de uso. Os sistemas de IA tem potencial de influenciar o comportamento dos clientes, criando mecanismos de personalização e recomendação. É um conjunto de aplicações que precisam ser aplicados com bastante critério, para evitar problemas de violação de privacidade e gerar vieses prejudiciais. Precisa passar por um forte crivo de aderência a regulações e regras de ética e compliance.

Transformar as operações. Os sistemas de IA podem contribuir para melhorar a eficiência e efetividade operacional das empresas. Atualmente é onde IA é mais usada pelas empresas. Em muitos setores vemos isso acontecer e com o recente uso de sistemas baseados em LLM, diversas atividades serão aceleradas em termos de produtividade. Por exemplo, nas atividades de call center e na programação de computadores.

Mas, por mais que nos entusiasmemos com as notícias de ganhos com o uso dessas novas ferramentas, devemos atentar para a realidade e agir de forma racional. Por isso é importante olharmos com cuidado os estudos que são publicados. Estamos apenas arranhando o uso dessas novas tecnologias e ainda não sabemos de seus impactos em larga escala, no dia a dia das corporações. O uso individual, que vemos na mídia, é diferente do uso corporativo. Regras de compliance, aderência a regulações e processos de auditoria, nível de cultura digital, organização da empresa e outros fatores tornam os resultados da experiência individual, totalmente sem sentido se transplantados para o uso empresarial. Também devemos extrair o midiático das reportagens. Quando um estudo fala que 80% das profissões serão afetadas por sistemas LLM, não significa em absoluto a substituição e o fim desses empregos. Os PCs e os smartphones também afetaram um percentual igual ou maior de profissões e não provocaram substituição massiva das pessoas. Os estudos publicados, em sua imensa maioria foram feitos em ambientes controlados, diferentes do mundo real das empresas e servem apenas de indício. Precisamos validar e mensurar seus resultados no dia a dia das empresas, com uso em larga escala.

Para que os ganhos de produtividade se concretizem, os avanços da IA precisam se disseminar por toda a economia. Tradicionalmente, isso sempre leva tempo, então não esperemos que os potenciais ganhos de produtividade apareçam imediatamente. Os avanços precisam ser adotados e implantados por empresas e organizações que empregam trabalho cognitivo por toda a economia, incluindo pequenas e médias empresas, algumas das quais podem demorar para perceber o potencial de adaptação de novas tecnologias ou podem não ter as habilidades necessárias para usá-los adequadamente. Além disso, os estudos são feitos nos EUA e Europa, bem diferentes do contexto educacional e econômico brasileiro. Países melhor preparados ganharão mais com o uso dos LLMs, pela mão de obra mais voltada para o trabalho cognitivo, e aumentará o fosso em relação aos países menor habilitados. Seus efeitos econômicos serão desiguais.

A IA é uma poderosa ferramenta que, se bem utilizada pode criar vantagens competitivas para os negócios. Entretanto, para que a tecnologia seja usada em seu potencial é necessário uma visão estratégica e engajamento dos executivos seniores das empresas. Hoje, a maioria das iniciativas de IA que conhecemos aqui no Brasil são de responsabilidade dos CIOs ou de algumas áreas específicas como marketing e jurídico, com pouco ou quase nenhum engajamento dos CEOs, demais C-level e do board. Acabam sendo aplicações táticas, sem uma visão estratégica do negócio. Perde-se muta sinergia.

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