Cuidado: as empresas que não se adaptarem ao mundo pós-Covid poderão desaparecer!
Em um mundo exponencial não podemos pensar de forma linear. Em março do ano passado alguém imaginaria o mundo de hoje, com a crise do COVID-19? Tivemos lockdowns com todos em casa, ruas desertas, aeroportos vazios, shoppings fechados…vieram aberturas parciais e uma segunda onda…a pandemia se dissemina de forma exponencial e estamos aprendendo a conviver com a exponencialidade, da pior forma possível. Como será 2021? Nenhuma bola de cristal funcionará. Darão “tela azul”!
As mudanças que veremos no mundo pós-pandemia virão muito rápido. A dificuldade que temos é que as variáveis envolvidas são tantas que não conseguimos delinear como será o futuro. O polo econômico se deslocará de “US-centric” para “China-centric”? Quais implicações disso? As redes globais de suprimento serão redesenhadas? Evoluiremos para uma nova versão do capitalismo? Que novos modelos organizacionais e modelos de negócios teremos? Como as empresas se estruturarão daqui para a frente?
Nenhuma pandemia provocou um efeito econômico global do tamanho desta. Não tivemos precedentes. Para a maioria das empresas, a sobrevivência no curto prazo é o único item da agenda. Outras estão tentando adivinhar através da cortina de incertezas, pensando como irão se posicionar uma vez que a crise tiver passado e as coisas voltarem ao normal. A questão é: como será esse ‘normal’? Embora ninguém possa dizer quanto tempo a crise durará, o que vemos do outro lado não se parecerá ao normal dos últimos anos. Está se tornando claro que a nossa era será definida por um divisor de águas fundamental: o período anterior à COVID-19 e o novo normal que surgirá na era pós-vírus: o “novo normal”. Sim, haverá um divisor de águas: era “AC” (antes do COVID) e “DC” (depois do COVID).Vivenciaremos uma dramática reestruturação da ordem social e econômica na qual as empresas e a sociedade funcionavam no “antigo normal”, o mundo antes da pandemia.
Mas, uma crise sempre traz mudanças positivas, por mais que seja uma dolorosa crise. E alguns pontos dispersos começam a fazer sentido, se conseguirmos conectá-los: surgiram novos hábitos que provavelmente permanecerão para sempre depois da crise, um novo jeito de trabalhar que deve se manter, e uma aceleração na percepção de valor da inovação. A indústria investe milhões por ano em inovação e, muitas vezes, essa inovação não é valorizada de imediato. Agora, as pessoas estão entendendo mais como aquela inovação trouxe um benefício que não havia percebido. Das coisas simples, como usar o e-commerce para compras sem sair de casa; não depender de uma grade rígida da TV, utilizando serviços de vídeo streaming; uso de impressoras 3D para imprimir rapidamente válvulas de conexão para respiradores em leitos de doentes infectados pelo vírus e a IA como arma eficiente na criação de novos medicamentos.
A dificuldade em absorvermos certas previsões futuristas, e delinearmos um mundo pós-pandemia, é que, embora a tecnologia evolua de forma exponencial, nosso pensamento intuitivo é linear. Assim, olhamos a evolução do século passado e projetamos mudanças para os próximos 100 anos baseados na linearidade do nosso modelo mental. Mesmo o famoso jargão “pensar fora da caixa” nos mantém presos, pois usa como referência a própria caixa. Portanto, ao nos livrarmos do pensamento linear e pensarmos exponencialmente veremos que os próximos 100 anos não serão 100 anos de mudanças, mas 20.000 anos de mudanças à luz do atual ritmo de evolução da tecnologia. Inimaginável!
No nosso dia a dia, intuitivamente, preservamos as memórias recentes. E destas memórias projetamos o futuro. Por exemplo, o ano passado provavelmente nos trouxe mais evoluções que os dez anos anteriores. Mas esquecemos destes detalhes e projetamos os próximos anos como evoluções lineares do nosso último ano. A diferença entre o pensar linear e o exponencial é gritante. A crise do COVID-9 quebrou este paradigma. Nos obrigou a repensar tudo, de forma abrupta. A linearidade perdeu o sentido.
Ano passado, antes da pandemia, em um exercício simples com um grupo de CIOs apontei um desafio. “Como estará a sua empresa e a sua TI dentro de uns cinco anos?”. A minha sugestão foi que, para visualizarem este futuro, até de forma conservadora, olhassem para uns dez anos atrás (idos de 2010) e listassem o que não existia (ou que era rudimentar) e que faz parte do dia a dia de hoje: iPhone era recente, tablet foi lançado em 2010, mídias sociais ainda tímidas, YouTube, WhatsApp, IoT, IA, cloud computing, apps e bots, veículos autônomos, etc.
E depois, listassem concorrentes e empresas que surgiram com modelos de negócio inovadores, que souberam utilizar estas tecnologias de forma mais rápida e inovadora que as demais empresas, que já existiam há décadas. E finalmente, tentassem responder o porquê elas fizeram isso e a maioria, as deles, principalmente, não fizeram. A tecnologia estava disponível a todo mundo, mas porque só algumas foram inovadoras?
Pois é. Este é desafio das empresas e dos seus executivos: como imaginar o futuro e tomar decisões hoje? Difícil de responder e começa pela escassez de profissionais com percepção futurista. A própria dinâmica do mercado de TI é tão acelerada que o meio acadêmico não consegue acompanhar as mudanças e as demandas deste mercado. Continua formando profissionais para um mercado que já é passado. As tentativas de modernização acadêmica são através de cursos de especialização, mas mesmo estes perdem a corrida contra o conteúdo disponibilizado (muitas vezes gratuitamente) na web. Em muitos setores, o fator tecnológico faz com que o conhecimento adquirido tenha prazo de validade curto. O que se sabe hoje perde valor ao longo do tempo, à medida que novas e inovadoras tecnologias disruptivas vão surgindo. O próprio conceito de carreira torna-se mais fluido. A pergunta “qual é a sua profissão?”, passa a não fazer mais sentido em função das demandas plurais no mercado. O profissional hoje deve ser avaliado pela sua capacidade de mudança rápida, adaptação e versatilidade em relação a competências diversas e ao aprendizado contínuo. E não apenas por seu conhecimento nas tecnologias atuais.
Para uma discussão mais detalhada da questão do pensamento linear versus a evolução exponencial de tecnologia e seus impactos, recomendo a leitura de um texto de Ray Kurzweil, de vinte anos atrás, 2001, “The Law of Accelerating Returns”. Vale a pena investir tempo para reflexões mais aprofundadas sobre o assunto.
No aprofundamento dos impactos da exponencialidade nas organizações, recomendo a leitura do livro “Exponential Organizations” de Salim Ismail e Yuri van Geest, publicado em 2014 e que enfatizo que seja relido hoje. Cada capítulo desperta um insight instigante. Um exemplo no livro que me chamou atenção é como uma inovação surge e provoca mudanças inesperadas em diversos setores da sociedade, cria novos negócios e até mesmo muda hábitos do nosso dia a dia. Diante deste contexto, as empresas tradicionais não conseguem entender as mudanças e se apegam aos seus modelos de negócio, tentando resistir usando as armas que conhecem, ignorando as novas armas que entraram no jogo. O lançamento do iPhone é um exemplo icônico. Destruiu diversas indústrias como as de GPS, flmadoras e câmeras fotográficas. Desmontou empresas bem-conceituadas e líderes de mercado como a Nokia, revolucionou a indústria de software com os apps e permitiu a criação de novos negócios.
O caso Nokia é emblemático de como uma organização não conseguiu ver o mundo de forma diferente, mas manteve seu pensamento linear. Dois meses após o lançamento do iPhone, a Nokia comprou por US$ 8 bilhões a Navteq, empresa de navegação por mapas, que gerava seus mapas baseada na coleta de dados por sensores. Com isso pretendia se fortalecer contra a ascensão da Apple e do Google Maps. Infelizmente, quase no mesmo momento (2008) surgia em Israel uma empresa chamada Waze, que usava como sensores, nós (as pessoas) e nossos smartphones. Não dependia de sensores físicos e podia crescer de forma exponencial sem ser intensiva em capital, como uma empresa baseada em sensores, como a Navteq. A Nokia não tinha percebido a transformação que a indústria de smartphones estava provocando e em junho de 2012 seu valor de mercado caíra de 140 bilhões de dólares para US$ 8,2 bilhões, o valor que ela tinha pago pela Navteq. Em 2013, o Google comprou o Waze por US$ 1,1 bilhão! A Nokia seguiu as velhas regras lineares e se manteve fiel aos princípios que uma barreira física, que funcionava no mundo físico como barreira a novos entrantes, também impediria o mundo digital de avançar. Nokia gastou bilhões de dólares na compra de ativos físicos, enquanto o Waze simplesmente usava informação disponibilizada gratuitamente pelos usuários dos smartphones que tinham baixado o app em seus dispositivos. O Waze foi uma ruptura no modelo de negócios de mapeamento.
Uma outra mudança embutida na criação dos smartphones e da indústria de apps é a transformação do conceito da sociedade industrial de “possuir” ou “ter” para “usar”. O poder, até agora, esteve em que tinha mais objetos físicos (fábricas, equipamentos, imóveis, automóveis, etc.). Mais e mais fábricas, por exemplo, demandavam mais e mais pessoas, e complexas estruturas organizacionais para gerenciá-las. A sociedade indústria criou a organização hierárquica, que hoje nos é natural e emblemática de qualquer empresa. Simples. Peça a um amigo para descrever a empresa onde ele trabalha e de imediato ele vai desenhar o organograma hierárquico dela. O mundo analógico é linear por natureza. Se para fabricar determinado produto preciso de x recursos, para dois produtos, 2x recursos. Se um caminhão misturador de concreto substitui 100 operários, acontece uma mudança de escala. Mas neste nível tecnológico, para substituir 200 operários preciso de 2 caminhões, para 300 operários, 3 caminhões e assim sucessivamente. A linearidade permanece. Quando o pensamento é linear, as operações são lineares e as medidas de sucesso são lineares, a organização é linear.
Como são estas empresas lineares? Estrutura hierárquica, matricial e gerenciada de forma top-down (comando e controle), direcionada por resultados financeiros de curto prazo, planejamento estratégico baseado na extrapolação linear do passado, avessa à riscos, inflexível nos processos e mudanças organizacionais, grande número de funcionários (ter dezenas ou centenas de milhares de profissionais é símbolo de orgulho e é mostrado nas slides de apresentação da empresa), controla seus próprios ativos e investe pesadamente em manter o status quo e combater a ruptura, vista como ameaça letal. Relembrando a frase do estrategista John Hagel: “nossas organizações estão configuradas para resistir às mudanças que vem de fora”. Não entendem e nem adotam inovações de ruptura em seus modelos de negócios. A crise do COVID-19 rompeu com esse pensamento. As mudanças aconteceram à fórceps.
A dificuldade da maioria das empresas em lidar com a crise reside no fato que a estrutura matricial impossibilita mudanças rápidas. Imagine um cenário típico em empresas onde gestão de produtos, marketing e vendas são verticais e funções de suporte como RH, finanças, jurídico e TI são horizontais. Para marketing tentar algo inovador deve obter aval do jurídico, ter apoio da TI, conseguir verba de finanças e eventualmente depender do RH para contratar um recurso específico. Pelo quadro fica fácil imaginar quão difícil é reagir rápido a uma mudança no cenário de negócios. Com o agigantamento das organizações, cada setor passa a ter objetivos próprios. Assim, o jurídico avalia a questão legal sem considerar adequadamente se aquela demanda é essencial ao negócio, pois seus incentivos e avaliações de desempenho são diferentes do marketing. TI, neste cenário também fica em situação complicada. A qual vertical atende? A qual dá prioridade? Uma das causas do “shadow IT” é exatamente isso. A prioridade estabelecida por TI não é adequada as áreas de negócio, que aproveitam a possibilidade do novo mundo tecnológico (apps, cloud, big data, IA, etc.) e criam suas próprias soluções, passando por cima do tradicional setor de TI.
A evolução exponencial da tecnologia e seus impactos não consegue ser absorvida em uma organização que pensa linearmente. É fato que muitas organizações, grandes e matriciais, respondem lentamente às mudanças no cenário tecnológico. O futuro será das empresas fluidas e exponenciais, que ao contrário das atuais, mantém apenas um pequeno grupo de funcionários e usam intensamente tecnologias avançadas e recursos externos. Conseguem com isso mudanças rápidas.
Em resumo, a transformação digital não é mais uma discussão sobre o futuro, mas presente no dia a dia, afetando empresas, sociedade e criando novos modelos de negócio. Recomendo enfaticamente aos executivos das empresas a olharem pelo menos cinco anos à frente e investir pelo menos uns 20% a 30% de seu tempo a se preparar para este desafio. Mas, devemos olhar o cenário dos próximos cinco anos com a consciência que a transformação é exponencial e não linear. Isso significa que, para entender a amplitude do que vem pela frente, no mínimo devemos olhar para dez ou quinze anos atrás, e ver o presente à luz das mudanças comparadas com este passado recente. O nosso pensar de forma linear quando a evolução é exponencial nos leva a terrível armadilha de subestimar o impacto das transformações.
Um choque da magnitude que estamos vivendo criará uma transformação nas preferências e expectativas dos indivíduos como cidadãos, funcionários e consumidores. Tais transformações, sua intensidade e amplitude provocarão um impacto imenso no modo como vivemos, trabalhamos e usamos a tecnologia. Mas, só começaremos a reconhecer isso com mais clareza nos próximos meses. As instituições que se reinventarem para extrair o máximo proveito das melhores visões e previsões, à medida que as preferências mudam, serão as bem sucedidas. Todo esse contexto nos dá um pano de fundo para a citação de David Rose, autor do livro “Angel Investing: the Gust Guide to Making Money and Having Fun Investing in Startups”: “qualquer companhia desenhada para ter sucesso no século 20 está destinada a fracassar no século 21”. Creio que podemos adicionar hoje que qualquer empresa desenhada para o mundo de antes da pandemia correrá sérios riscos de sobrevivência no mundo pós-COVID.