Da emoção à racionalidade: a evolução do pico das expectativas inflacionadas ao vale da desilusão…e só tempos depois, se torna mainstream.
Tivemos ao longo das décadas períodos de entusiasmo e frustrações com IA. As fases anteriores não chamaram atenção pois não tínhamos redes sociais amplificadoras de notícias e nem a revolução no CX, vindo do ChatGPT, que permitiu a milhões de pessoas que nem sabiam da IA, agora saber que ela existe. Para muitos, a IA nasceu agora! O AlphaGo por exemplo, foi um marco na evolução da IA, mas passou desapercebido. Não tínhamos acesso a ele, apenas às notícias publicadas na mídia, e ninguém aqui joga Go, para saber o que a complexidade algorítmica que estava por trás do sistema.
Mas, como pensar de forma diferente? Afinal, a IA está em ebulição. Manchetes de jornais diários. “Experts em IA” inundando o Youtube e o Linkedin com frases e previsões bombásticas…Aliás, é curioso que para dar uma palestra de física você precisa estudar física. Mas para dar palestra de IA, você não precisa…mas, será que os conceitos fundamentais estão sendo passados pela palestra? Como?
Bem, por baixo do capô existe uma longa lista de desafios bem complexos. Mercado com mais e mais atores. Startups perdendo valuation. Muitas BigTech enfrentando vários processos judiciais relacionados a questões de direitos autorais. Deep fakes estão proliferando. Medidas regulatórias em discussão.
É indiscutível que IA é uma tecnologia transformadora, como foi o motor a combustão, a eletricidade, a internet e o smartphone. Mudaram e moldaram a sociedade. Talvez extraindo números meio exagerados das grandes consultorias com seus trilhões de dólares, eu acredito fortemente que a IA pode ter um potencial positivo muito significativo para o futuro da humanidade. Mas, no meio dessa mudança, ainda temos muito mais dúvidas que certezas. Estamos passando angústia de qual será o impacto da IA para indivíduos, trabalhadores, empresas e a sociedade em geral? Como os benefícios superam os riscos? Como mitigar riscos e potencializar os benefícios?
As BigTechs afirmam que estão desenvolvendo IA para “beneficiar toda a humanidade”, mas ao mesmo tempo alertam que ela pode trazer riscos imenso para o futuro dessa mesma humanidade. Aprendemos, depois de décadas de experiência com desenvolvimentos tecnológicos, desde o e-mail e a Internet até às redes sociais, bem como com o hype e as consequências que acompanharam cada um deles, que muitos efeitos colaterais só aparecem depois.
Os modelos de GenAI existentes custam até centenas de milhões de dólares para serem treinados e seu custo operacional, no processamento das inferências, pode chegar a um milhão de dólares por dia. E até agora, nenhum se mostrou promissor em termos de ROI. Por que então as BigTechs estão gastando bilhões em GPUs e data centers, para lançar produtos que, além do hype, ninguém sabe se as empresas e os consumidores podem ou não querer ou precisar? Para aplicativos que as empresas passarão anos desenvolvendo, apostando em um ROI que hoje é puramente hipotético? Até que ponto isso será sustentável?
Vamos olhar, como exemplo, o mercado consumidor de ferramentas generativas de IA. Há muito entusiasmo em torno desses grandes modelos de linguagem, é claro, mas ainda há poucas evidências concretas de que multidões se apegarão, em larga escala, a usar essas aplicações de forma intensa. O estudo “New Omdia study provides a reality check on consumer adoption and usage of generative AI applications” explorou as atitudes e o uso do GenAI entre mais de 3.000 pessoas nos EUA, Reino Unido e China. As conclusões revelam que o uso regular de aplicações de GenAI ainda é baixo, 10% no total nos três mercados. Estes resultados podem parecer surpreendentes dada a intensa atividade do lado da oferta, os lançamentos de serviços/produtos e a extensa cobertura mediática. Mas o ruído e o hype não equivalem automaticamente ao sinal, ou seja, à adoção e utilização pelo consumidor.
Muitos consumidores têm pouco conhecimento de ferramentas de IA generativa ou nunca as experimentaram, mas há muita preocupação sobre como a IA generativa pode afetar as funções profissionais, ser usada para cometer fraudes, manipular pessoas e espalhar desinformação. De acordo com uma pesquisa do Pew Research Center, (Public Awareness of Artificial Intelligence in Everyday Activities) muitos dos entrevistados disseram estar mais preocupados do que entusiasmados com a IA. A adoção da IA, fora da bolha dos entusiastas da tecnologia, ainda não é garantida. É preciso mostrar aos consumidores que a IA generativa tem valor e é confiável.
A força de trabalho também é um público-alvo para IA generativa, à medida que as Big Techs e startups atraem funcionários com ferramentas como copilotos alimentados por IA. Mas as mensagens também são confusas. Está claro que os funcionários adotarão essas ferramentas de nível empresarial de todo o coração, sem resistência? E eles as estão usando da maneira que os empregadores desejam? Mais da metade dos funcionários nos EUA já utilizam ferramentas generativas de IA, pelo menos ocasionalmente, para realizar tarefas relacionadas com o trabalho. No entanto, cerca de três quartos das empresas ainda não possuem uma política organizacional de IA estabelecida e claramente comunicada e disseminada.
Indiscutivelmente que o potencial do mercado empresarial para IA generativa é enorme, mas também exigente e inconstante. Certamente todo CEO sofreu com as ondas de hype e FOMO do passado, inclusive recente, como blockchain e metaverso. Pode levar anos para obter o ROI dos enormes investimentos em IA que as empresas estão fazendo. Parece inevitável que alguma desilusão se instale, principalmente por aquelas empresas que acreditam no discurso ufanista de vendas, que os resultados serão imediatos e quase sem custos.
Mas esses custos existem…conversando com um CIO, ele me falou que estava pensando em adotar um pacote de escritório, impulsionado pelo GPT-4, para apoiar os cerca de 1.000 funcionários da sua empresa em automatizarem algumas tarefas como criação e resumos de e-mails, criação de PPT, e claro, sua equipe de desenvolvedores em criar código.
Perguntei a ele se havia feito uma análise de ROI para isso. Curiosamente, não, mas estava empolgado pelo discurso de ganho de produtividade e tornar a empresa dele mais competitiva. OK, boas intenções, mas chamei a atenção para alguns pontos de reflexão.
Suponha uma assinatura de 30 US$ por mês, por funcionário. Serão 30.000 US$ pelos mil funcionários. Ou 360 mil por ano o que dá cerca de R$ 1.800.000,00! Imaginemos que os funcionários disparem vários e-mails por dia, mas qual o tamanho médio deles? Na grande maioria, são pequenos, contendo uma ou duas frases. Que ganhos uma GenAI forneceria nesse caso? Creio que próximo de zero. Para aqueles funcionários que preparam e-mails longos, como Marketing, até faz sentido. Mas para a maioria dos funcionários, não. A mesma coisa com relação ao PPT. Quantas apresentações cada funcionário faz por mês? Quantas pessoas na empresa fazem resumos de relatórios? Pouquíssimas. Novamente, faz sentido? Na maioria das vezes será mais ou menos como usar uma Ferrari para entregar uma pizza.
Para os desenvolvedores e uma pequena parcela dos funcionários, dependendo da atividade, uma ferramenta dessas é um grande assistente. Mas para os 1.000 como um todo, é melhor reavaliar com mais cuidado.
Creio que já estamos ganhando maturidade suficiente para sair do frenesi e perceber que a utilização individual de ferramentas desse tipo é bem diferente do uso corporativo e que os custos envolvidos não são pequenos. Estamos claramente em um ponto onde temos que traduzir o entusiasmo e a empolgação em uma verdadeira adoção que traga benefícios palpáveis para o negócio. Decisões pelo FOMO, sem uma visão de onde quer chegar e quais expectativas de ROI se pretende obter não me parece uma boa prática.
Na minha opinião, a IA precisa se colocar em um terreno mais firme, sólido e menos “hypado”, se quiser parar de oscilar à beira do precipício da desilusão. Precisamos de mais do que pronunciamentos vagos como esse tuíte extremamente ufanista e tecno-otimista, meio descolado da realidade.
Acredito que dar à IA um choque de realidade é que que melhor pode acontecer com a tecnologia. Sua maior chance de sucesso não está no hype, que não é sustentável, mas em ações concretas com resultados tangíveis. E perfeitamente factíveis!
E lembrem-se, apesar da inovação de produtos e modelos de negócios provocados pela IA generativa, uma grande parte do ROI do mundo real ainda permanece concentrada em torno da IA/ML preditiva, muitas vezes utilizando conjuntos de dados tabulares e métodos baseados em árvores, como XGBoost ou Random Forest. Muitos outros modelos podem, devem e continuarão a ser usados em projetos que usam IA. O mundo da IA não vai ser 100% IA generativa. A verdade é que nem tudo que acontece em uma empresa se relaciona com gerar texto ou imagens. Muitos sistemas de DL de alto valor serão preditivos, utilizando conjuntos de dados tabulares. No mundo real, a maior parte da IA de alto valor ainda será preditiva.
Não existe uma guerra entre IA generativa versus ‘ML Clássico’ e nem é uma discussão binária. A maioria das empresas vai utilizar ambas as abordagens com sucesso, dependendo dos casos de uso.
Ao gerenciar as expectativas e escolher os casos de uso mais apropriados e confiáveis para aplicação de IA, as empresas vão implementar o que os seus clientes realmente desejam e precisam. Ao lembrar que a IA e os dados dizem respeito aos humanos, as empresas devem se atentar à práticas de governança, como transparência, ética e uso responsável da IA. IA não é fantasia de ficção científica ou panaceia como está se vendendo, mas uma excelente ferramenta que terá muita aplicabilidade se utilizada sob uma estratégia coerente e adequada.