Eu sei o que você fez no verão passado…

Cezar Taurion
5 min readOct 1, 2019

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Estou preparando uma palestra sobre privacidade e ética em IA e, nesse processo, reli alguns trechos marcados de um livro de 2015, bastante instigante, “Dataclisma, quem somos…quando achamos que ninguém está vendo”, de Christian Rudder. Ele é cofundador e CEO do site de relacionamentos OKCupid (criado em 2004 e que conta com mais de 3,5 milhões de usuários) e no livro ele analisa o comportamento humano gerado pelas análises de como as pessoas se comportam na Internet, em sites como o dele, e em redes sociais.

A linha básica do livro foi baseada na análise do imenso volume de dados que geramos no nosso dia a dia, nossa pegada digital, que cria um verdadeiro Big Data do comportamento humano, do que pensamos e o que desejamos. Nem sempre lembramos disso, mas as redes sociais como o Twitter, Facebook, Instagram e YouTube são gigantescos repositórios de opiniões e comentários. Por exemplo, teremos mais palavras escritas no Twitter nos próximos dois anos do que as contidas em todos os livros já impressos. O Facebook com seu mais de 2,4 bilhão de usuários é hoje a maior rede da história da humanidade. Olhando esta imensa quantidade de usuários e considerando que aproximadamente um quarto dos 7,7 bilhões de habitantes do planeta tem menos de 14 anos de idade, isso significa que mais de 40% dos adultos do nosso mundo tem conta no Facebook. Outra fonte inesgotável de informações sobre quem somos é a famosa página inicial do Google, contendo apenas um campo para entrada de dados. É um repositório do id coletivo da humanidade. Ele ouve nossas confissões, preocupações e segredos. Nós digitamos naquele retângulo o que queremos, sem censura. Como são buscas que as pessoas fazem sem preocupações de serem observadas, expressam nelas sentimentos de ódio e preconceitos, que geralmente são camuflados pelo comportamento social em publico. Este é o problema do cientista social: o que eles mais querem saber é justamente o que seus objetos de estudo mais tentam esconder. O simples ato de perguntar algo incômodo gera autocensura. Nas buscas, não temos estas reações. Analisando as buscas consegue-se obter informações praticamente impossíveis de se obter por pesquisas tradicionais. O Google Trends pode gerar excelentes amostras da mente privada, do que as pessoas realmente querem saber e que nem sempre compartilham com outras. Buscam sozinhas. Apenas o Google sabe! Vários projetos já mostram quanto é possível saber com o Google Trends, como previsão do mercado de ações, o que move a produtividade econômica, epidemias de gripe e dengue, incidência de racismo e preconceitos arraigados.

A World Wide Web é jovem (ainda vai fazer 30 anos) e as redes sociais são fenômeno muito mais recente, mas seus efeitos já começam a ser sentidos. Um exemplo é a pesquisa feita pela Universidade de Michigan nos EUA, que durante 30 anos aplicou testes de personalidade em mais de 14 mil universitários. A proposta era, através de perguntas, medir o grau de empatia de uma pessoa, ou o quanto ela se importa com as outras. Os resultados foram publicados em 2010 e mostrou que os jovens americanos, da geração atual, que cresceram no mundo da Internet, tem 40% menos empatia que os de três décadas atrás. Essa tendência ficou mais nítida a partir dos anos 2000, período que coincide com a popularização da Internet e das primeiras redes sociais turbinadas pela tecnologia. A explicação, segundo o estudo, é que na vida online fica mais fácil ignorar as pessoas quando não queremos ouvir seus problemas e críticas e com o tempo este comportamento indiferente acaba sendo adotado também na vida off-line. Outros estudos mostram que muitas demonstrações de intolerância e mesmo ódio são facilitadas pela desinibição causadas pelo mundo online. Como as pessoas não estão frente a frente, se sentem mais à vontade para trocar insultos. No Facebook basta um clique para curtir ou replicar agressões.

Como estamos falando de algo muito recente, existe ainda uma longa caminhada de aprendizado. A Internet é muito jovem como registro humano predominante e o próprio Facebook só ganhou esta proporção toda nos últimos seis a oito anos. Alcançou seu primeiro bilhão de usuários em 2012. Hoje a cada segundo são criados seis novos perfis e a cada minuto são postados mais de 510,000 comentários, atualizados 293,000 status e levantadas 136.000 fotos.

Ainda não se sabe o suficiente para se tirar conclusões. No entanto, as evidências apontam que as mídias sociais afetam as pessoas de maneiras diferentes, dependendo das condições pré-existentes e dos traços de personalidade de cada indivíduo. As informações sobre o comportamento humano ainda estão sendo construídas e talvez só daqui dez anos conseguiremos responder mais precisamente a perguntas como nos relacionamos, como novas ideias se infiltram e se disseminam pela sociedade, como a timeline do Facebook expressará a vida de uma pessoa, como os tuites mostrarão a reação da sociedade a determinados eventos e como o retângulo do Google explicitará os cantos das nossas mentes. Recomendo dar uma olhada no artigo da BBC, “Is social media bad for you? The evidence and the unknowns”.

Algumas surpresas já começam a aparecer. Por exemplo, é lugar comum dizer que os 140 caracteres do Twitter degrada a linguagem. Algumas análises mostram que, ao contrário, a linguagem no Twitter está longe de ser degradada. O livro faz uma análise interessante, na língua inglesa, usando como comparação o OEC — Oxford English Corpus. O resultado mostrou não uma degradação, mas uma mudança no estilo da comunicação, com ênfase na concisão. O Twitter parece que na verdade pode estar melhorando a escrita dos usuários, pois os obriga a usar menos letras, para escrever frases significativas. Quem tuita não tem opção a não ser de ser conciso e com espaço finito para escrever, os pensamentos acabam sendo resumidos, omitindo palavras desnecessárias. Não são, necessariamente, pensamentos pequenos. Na verdade, se a frase está mal escrita é que a pessoa já escreve mal fora do Twitter ou do Facebook. Outra análise interessante é que os smartphones, por terem teclados menores, fazem com que a mensagens no WhatsApp tendam a ser menores ainda que no Twitter. Parece bem claro que a tecnologia altera a maneira de como as pessoas se comunicam.

Um estudo que me chamou atenção foi a dos grafos sociais, a análise da rede de relacionamentos que é construída quando usamos Facebook. A análise de rede existe como ciência há quase 300 anos, mas é potencializada e pode ser estudada em muito mais detalhe e dinamismo com a tecnologia atual. Com isso, análises antes ocultas começam a ser desvendadas, como por exemplo, a possibilidade de propensão de um casal se separar. O famoso conceito dos “seis graus de separação” entre quaisquer pessoas já diminuiu muito. Um estudo de 2016, do Facebook, “Three and a half degrees of separation” já mostrava que as redes sociais conectadas pela tecnologia digital encurtavam as distâncias entre as pessoas.

Enfim, o livro me ajudou bastante, e o recomendo para começarmos termos alguns insights de como podemos, através de algoritmos, compreendermos mais a nossa sociedade e quem sabe, conseguirmos aprimorá-la.

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