Impactos da IA e GenAI no mercado de trabalho: análise e perspectivas

Cezar Taurion
8 min readFeb 9, 2024

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Um dos assuntos que muitas vezes aparecem nas nossas conversas com os executivos líderes das empresas é o impacto da IA e agora da GenAI nas funções profissionais. Claramente temos a perspectiva que a IA vai tocar a maioria das profissões, em maior ou menor grau. Portanto é uma discussão que merece ser aprofundada.

Não existem respostas prontas e temos claramente dois extremos, um extremo pessimista, onde a IA causaria desemprego em massa, criando distorções econômicas, sendo “boa para o crescimento e ruim para desigualdade”, e um outro extremo, otimista, que embora concorde que existiria um impacto nos empregos no curto prazo, com o tempo, surgiriam inúmeras outras oportunidades. Eventualmente, no longo prazo, muitas e muitas décadas à frente, as máquinas poderiam fazer todas as tarefas e os humanos viveriam no lazer, como nos mostrou a animação da Pixar, Wall.E. Creio que devemos não ficar nos extremos, mas em algum ponto próximo do meio.

O aumento da sofisticação da automação que a IA proporciona, coloca em risco o papel humano nas atividades repetitivas e robotizadas, uma vez que as máquinas são mais eficientes que os humanos para essas tarefas. As máquinas têm indiscutível vantagem sobre humanos em tarefas onde é necessário analisar imensos volumes de dados e correlacionar diversas variáveis, para uma tomada de decisão, como em uma análise de crédito. Nesse processo, enquanto um humano consegue analisar algumas poucas variáveis e correlacioná-las, a máquina consegue analisar e correlacionar centenas de variáveis diferentes, e chegar a uma decisão em milissegundos.

O advento de novas técnicas, como a GenAI, aumenta a discussão sobre o futuro do trabalho. Parece claro que o processo de transformação das profissões pela automação, que sempre aconteceu, está se acelerando. Como sempre, atividades profissionais poderão ser totalmente eliminadas (não temos mais cocheiros, telefonistas e datilógrafos), outras serão criadas, mas a maioria terá alguma parcela das suas tarefas automatizáveis. Que isso significa? Que as atuais profissões não desaparecerão totalmente, mas serão muito modificadas. O sistema educacional e os processos de contratação e retenção de talentos nas empresas precisarão ser revistos. Os skills de interação com sistemas como GenAI serão proficiências diferenciadoras.

As atividades profissionais demandarão em maior ou menor grau quatro habilidades: comunicação, pensamento, sociabilidade e habilidades físicas.

1) A habilidade de comunicação exige que as pessoas entendam o que as outras pessoas estão dizendo a elas, mesmo que não seja de forma direta. A IA já atua neste campo e como exemplo vimos surgirem os assistentes pessoais, como os já antigos Alexa e Siri, e agora a GenAI, como o chatGPT. De maneira geral a tecnologia atual já está no nível dos humanos no tocante à “compreensão” da interação, com exceção de determinados contextos onde as nuances linguísticas, sarcasmos e ironias ainda fazem com que os seres humanos tenham um nível muito maior de compreensão. As máquinas ainda se complicam com ironias e sarcasmos.

2) O pensamento, que varia de criatividade a pensamento lógico e racional. Em criatividade, improviso e imaginação os seres humanos ganham fácil. As máquinas são boas em buscar informações e reconhecer padrões conhecidos. Tem dificuldades em reconhecer novos padrões.

3) Nas habilidades sociais as máquinas perdem feio. Com IA você consegue reconhecer emoções das pessoas, analisando suas expressões, mas não tem ideia do que seja esta emoção. Com o treinamento, um algoritmo pode ser capaz de prever qual seria a expressão da audiência para determinadas cenas, antes que elas fossem projetadas, mas não “entende” o que é essa emoção.

4) Habilidades físicas. A destreza física é parte importante de algumas atividades profissionais e de maneira geral em muitas destas atividades os robôs poderão ser mais eficientes. As linhas de montagem robotizadas já mostram isso. As dificuldades estão em identificar objetos desconhecidos e movê-los em terrenos que não tenham sido mapeados anteriormente. E a flexibilidade das mãos humanas, por exemplo, ainda está distante das máquinas.

A rápida evolução da IA traz impactos tão significativos que ainda não percebemos sua amplitude. Não temos ideia de como será o mercado de trabalho em 2050, mas sabemos que a IA e a robótica vão transformar quase todas as modalidades de trabalho atuais, transformando as carreiras e profissões como as conhecemos hoje.

Qual será o papel da IA na sociedade? Os robôs substituirão pessoas? As pessoas que executam tarefas repetitivas poderão ver essas tarefas serem substituídas por robôs. Mas, o mais provável é que a IA venha a aumentar o desempenho humano, automatizando certas partes de uma tarefa, permitindo que os indivíduos se concentrem em aspectos mais “humanos” que exigem habilidades empáticas, sociais e inteligência emocional. No futuro próximo, trabalhadores e máquinas trabalharão em conjunto, cada um complementando os esforços do outro. As organizações de RH terão que desenvolver novas estratégias e ferramentas para recrutar, gerenciar e formar uma força de trabalho híbrida humano-máquina. É uma mudança significativa nas formas de como RH seleciona, contrata e avalia profissionais. Demanda uma redefinição das funções atuais e a acomodação de novas funções, que nem existem hoje no vocabulário do RH.

Apesar de nossas falhas como humanos, nós devemos permanecer no loop quando a IA estiver operando em sistemas de missão crítica, como escolhendo quem deve ou não ir para uma UTI. A IA sem humanos no loop deverá ficar restrita às situações quando a falha é aceitável, como indicação de filmes, recomendação de livros ou tarefas repetitivas que não causem grande prejuízo se for efetuada de forma incorreta. Mas, substituir 100% de um diagnóstico médico, deixar a IA dirigir por conta própria um veículo no trânsito caótico de uma grande cidade ou decidir se uma pessoa deve ou não ser contratada, são, indiscutivelmente ações que teremos que ter nós, humanos no loop. Não que 100% das tarefas serão feitas por humanos, mas as máquinas e os humanos atuarão em colaboração. A IA é uma poderosa ferramenta que amplificará a capacidade do médico, o ajudando a fazer diagnósticos melhores, pois a computação consegue correlacionar milhares de variáveis, capacidade que nós humanos não temos. Afinal, o bom senso, a criatividade, e a reação diante do inesperado são essencialmente humanas.

Vamos exemplificar com a atividade de desenvolvimento de software. Software hoje é parte do negócio. Qualquer empresa, de qualquer setor, depende em maior ou menor grau dos seus softwares para funcionar. Um banco sem software não faz nada. Uma operadora de celulares sem software não completa uma ligação. A energia não chega na nossa casa. Mas, existem sombras pairando sobre as empresas. É a chamada dívida técnica, um conceito de desenvolvimento de software que surgiu por volta do início dos anos 90. O termo vem de uma metáfora inspirada no conceito de dívida existente na área de finanças e negócios, aplicada ao campo de software. Um software desatualizado incorre em custos futuros, como em cartões de crédito: juros, a serem reembolsados na forma de tempo adicional de manutenção e correção de bugs cada vez mais frequentes. A dívida técnica deve ser paga rapidamente para evitar o acúmulo de juros, daí a analogia com o conceito de dívida financeira.

Daí que muitas empresas olham com ansiedade e otimismo o uso da IA generativa como o Copilot e o chatGPT, para mitigar o problema. E claro, os superotimistas acreditam que em até dez anos não precisaremos mais de desenvolvedores. Bem, para nós afirmativas nesse sentido não tem base científica. A IA generativa não é milagrosa, mas vai ser sim, um tool kit para aumentar a produtividade, não substituir os desenvolvedores.

Há muito mais na engenharia de software do que apenas gerar código, como obter requisitos do usuário até depuração e teste. Um dos skills de programação mais fundamentais continua sendo domínio dos humanos: resolução de problemas. Analisar um problema e encontrar uma solução elegante para ele ainda é uma experiência de programação que está ainda muito longe de ser feita pelos algoritmos atuais.

O aspecto criativo as habilidades de abordar um problema são mais importantes do que a linguagem ou as ferramentas. Não caia na armadilha de se comparar à IA, que é uma saída estatística de um grande modelo. Isso seria subestimar a capacidade humana da atividade de criação de software. Existem grandes diferenças entre o que um desenvolvedor humano faz e o que um modelo probabilístico gera: ser um desenvolvedor é mais do que apenas escrever linhas arbitrárias de código. O melhor remédio para contrabalançar bombásticas estilo “clickbait” é adotar o princípio do ceticismo científico. A raiz do problema: temos a tendência de antropomorfizar a IA e por isso chamamos uma ferramenta de IA de colega de trabalho. Isso é equiparar sua produção, por mais significativa que seja, ao trabalho humano. O conceito de que as métricas de uma ferramenta de IA sejam diretamente comparadas às dos trabalhadores humanos é, na melhor das hipóteses, inadequada.

Portanto, a engenharia de software é muito mais do que vencer concursos de programação. É verdade que essas ferramentas aumentarão a produtividade dos desenvolvedores de software, mas há muito mais na engenharia de software do que apenas gerar código, como obter requisitos do usuário até depuração e teste. Boas práticas de engenharia de software estão se mostrando ainda mais valiosas do que antes. Essas práticas incluem o planejamento do design do sistema e da arquitetura do software, que serve como um bom contexto para que ferramentas baseadas em IA sejam usadas para prever com mais eficiência qual código você precisa gerar. Portanto, a geração de código por essas ferramentas é um complemento da atividade humana da engenharia de software.

Para que os desenvolvedores sobrevivam no mundo generativo de IA, eles precisarão adotá-la como uma ferramenta e incorporá-la em seu fluxo de trabalho, reconhecendo as oportunidades e limitações dessas ferramentas, mas contando com suas capacidades de criatividade humana para se diferenciar.

A mensagem básica é que o uso eficaz da IA exigirá que as empresas desenvolvam controles de qualidade e validação que identifiquem as falhas e vulnerabilidades e as removam. Não use o código sem passar por esses crivos. Por exemplo, segundo o Gartner, até 2025, mais da metade das descrições de atividades das funções dos líderes de engenharia de software exigirão explicitamente a supervisão do uso da GenAI pelas suas equipes.

Isso se deve porque além do impacto da IA ​​generativa nas atividades dos desenvolvedores, ela também altera as responsabilidades gerenciais dos líderes de engenharia de software, como aquelas relacionados à gestão de equipes, gestão de talentos e código de ética. Os líderes de engenharia de software que não reconhecerem e não se adaptarem a estas mudanças perderão espaço no mercado, enfrentando o risco de serem substituídos por aqueles que abraçaram a tecnologia. A IA generativa exige que os líderes de engenharia de software se concentrem no valor de sua equipe. Os líderes de engenharia de software também devem ser transparentes com suas equipes e concentrar as conversas em como a tecnologia de IA aumentará a produtividade dos desenvolvedores, em vez de focar em como ela, hipoteticamente, poderá substituir a equipe.

Dado a forma como os modelos de trabalho tradicionais, definições de carreira e o setor RH estão arraigados, a reengenharia do trabalho em torno da IA será um grande desafio. Vai demandar novas formas de pensar sobre empregos, cultura empresarial, tecnologia e, mais importante, pessoas. A IA já está se entranhando na sociedade da mesma forma que os smartphones se entranharam na nossa vida. Surgiram como novidade, com o iPhone em 2007, afetaram no início alguns setores, destruindo os negócios de celulares de empresas sólidas como Nokia e BlackBerry, e depois se espalharam transformando todas as nossas atividades diárias. Hoje permeia nossas vidas e é quase que um órgão do nosso corpo. Nada fazemos sem eles. A IA vai se entranhar da mesma forma. Começou com algoritmos de recomendação, se insere nos apps que usamos e aos poucos vai fazer parte da nossa vida. Com a GenAI interagimos com sistemas de IA diretamente do nosso smartphone. Vamos lidar com essa tecnologia de todas as formas no nosso dia a dia, de tal maneira, que no futuro ela será invisível. A capacidade de ouvir, refletir e criar é que vão tornar a função humana diferenciada.

Esse artigo foi originalmente publicado no Redcore Insigths : https://www.linkedin.com/pulse/o-impacto-da-ia-e-genai-mercado-de-trabalho-uma-an%2525C3%2525A1lise-equilibrada-nwikf%3FtrackingId=dw5ch%252Fy2mbQYkjakZvGUHw%253D%253D/?trackingId=dw5ch%2Fy2mbQYkjakZvGUHw%3D%3D

Imagem: CREDIT: Getty

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