O cenário de negócios está cada vez mais volátil, frágil, incerto, ambíguo, complexo, não linear e muitas vezes incompreensível. Como sobreviver?
Quando anos atrás, li o livro “Exponential Organizations” de Salim Ismail e Yuri van Geest , isso me marcou muito. Cada capítulo despertou um insight instigante. Me chamou atenção como uma inovação surge e provoca mudanças inesperadas em diversos setores da sociedade, cria novos negócios e até mesmo muda hábitos do nosso dia a dia. Ficou claro para mim que as estratégias para enfrentar o desafio das mudanças aceleradas não são as mesmas com as quais as empresas estão acostumadas a lidar. O lançamento do iPhone há pouco mais de 15 anos é um exemplo icônico. Destruiu negócios como a indústria de GPS, filmadoras e câmeras fotográficas. Desmontou empresas extremamente bem-conceituadas e líderes de mercado como a Nokia, Motorola e BlackBerry, quebrou as pernas da indústria de PCs, revolucionou a indústria de software com os apps, e permitiu a criação de novos negócios como o Waze, Uber, Instagram e o WhatsApp.
A evolução exponencial da tecnologia e seus impactos não consegue ser absorvida em uma organização que pensa linearmente. É fato que muitas organizações, grandes e matriciais, respondem lentamente às mudanças no cenário tecnológico. Mesmo empresas criadas na era da Internet sucumbem quando não acompanham as mudanças. O exemplo do Yahoo é sintomático. Mas, os impactos vão além das mudanças organizacionais. Nossos pressupostos sobre o funcionamento das próprias economias onde as empresas estão inseridas já são questionados pela evolução exponencial da tecnologia digital.
Alguns pilares que consolidaram a economia na sociedade industrial estão claramente em cheque. Como a tecnologia está capacitando a todos nós, as pessoas começam a desempenhar o papel que antes só as empresas costumavam fazer. A Internet está alimentando a chamada nano-economia, onde freelancers encontram trabalho através de plataformas digitais, dispensando a necessidade de trabalharem apenas para empresas. O efeito democratizador da tecnologia da informação também está permitindo que empresas pequenas, com equipes pequenas tenham um impacto excepcional. Por exemplo, o Slack, que foi criado por uma equipe de 12 desenvolvedores de software ou o Instagram, que quando foi comprado pelo Facebook tinha uma equipe de apenas 13 pessoas.
Além disso, tecnologia está mudando a dinâmica do conceito de propriedade, desde carros a casas até furadeiras, dando às pessoas mais opções. É o conceito de “usar” e não “ter”. A economia do compartilhar significa que você pode alugar qualquer coisa, seja o quarto de outra pessoa, escritório, equipamento agrícola ou capacidade computacional, durante o tempo que precisar. Na verdade, não queremos uma máquina de lavar, mas sim a roupa lavada. Os serviços como Uber tornam mais fácil não precisar ter a posse de um carro. Eu mesmo, já não tenho carro próprio. O usava menos de 3% do tempo e me sai mais barato utilizar o Uber.
A dinâmica da produção também está em transformação. Os custos de produção estão diminuindo e o denominador comum é que as plataformas digitais estão permitindo que pessoas e empresas compartilhem coisas, serviços e tempo que têm em excesso e que não estão sendo utilizados. Isso nos leva a questionar se as coisas que consideramos essenciais para o nosso negócio, ainda continuam necessárias ou mesmo se ainda continuam relevantes. A pandemia acelerou muitas mudanças de hábitos e nos obrigou a repensar muita coisa com as quais estávamos acostumados e não questionávamos.
Esses fatores mudam os modelos de negócio. Praticamente desde o início dos tempos, a interseção da oferta e da demanda é que determinava o preço. Mas com o custo marginal da oferta e de criação de mais uma unidade do produto ou serviço caindo exponencialmente, tendendo a zero, as empresas podem mudar suas ofertas, e até cobrar dinamicamente por seus produtos ou serviços.
Esse novo cenário muda por completo o ambiente de negócios. Nos mostra nitidamente que estamos imersos em um contexto cada vez mais volátil, frágil, incerto, ambíguo, complexo, não linear e muitas vezes incompreensível. Assim, desenhar estratégias torna-se cada vez mais desafiador e necessitamos identificar três “tipping points” interdependentes, que quando ocorrem, provocam a disrupção: a tecnológica, a cultural e a regulatória.
A tecnológica ocorre de forma exponencial e nos é de difícil compreensão. A mente humana tem dificuldade de entender relações não lineares. Nosso cérebro procura traçar linhas retas simples. Por exemplo, se ando 30 passos, cada um de um metro, andei 30 metros. Se quiser dobrar a distância, simplesmente darei 60 passos. Mas a exponencialidade é diferente. O primeiro passo é de um metro, o segundo de dois metros, o terceiro de 4 metros e assim sucessivamente até o trigésimo, que é simplesmente do tamanho de 26 voltas à Terra! A tecnologia evolui exponencialmente, acelerada por fatores como industrialização (a economia de escala proporcionada pela computação em nuvem permite a uma empresa crescer rapidamente sem demandar investimentos em ativos computacionais), consumerização (cada vez mais as pessoas estão se digitalizando e usando tecnologia como meio básico de comunicação e interação), democratização (o exemplo da fotografia é emblemática, pois hoje via smartphones tiramos milhares de fotos e as compartilhamos de graça) e globalização (podemos estar permanentemente conectados com redes globais de conhecimento ).
A disrupção cultural ocorre quando a tecnológica afeta os limites dos nossos hábitos. O smartphone e as redes sociais já fazem parte de nossa vida e compartilhamos coisas que a dez anos atrás eram consideradas estritamente particulares. Sim, a mudança cultural não ocorre simultaneamente em todo o planeta. Embora a tecnologia possa ser disseminada rapidamente por todas as sociedades, cada uma a adota de forma diferente. O autor de ficção científica, Willian Gibson, que escreveu “O Mochileiro das Galáxias” disse com muita propriedade: “The future is already here. It´s just not very evenly distibuted”.
A questão regulatória também difere de país para país. A chegada simultânea de diversas tecnologias e novos modelos de negócios perturba o cenário regulatório, que, na maioria das vezes se mostra incapaz de acompanhar esse ritmo. Por exemplo, a chegada do WhatsApp e Uber. Os aparatos regulatórios existentes, quando foram criados, não contemplavam essas inovações. De maneira geral as inovações testam os limites da regulação e acabam as transformando. No final, apesar das reações contrárias, a demanda do mercado acaba vencendo.
Disso tudo fica patente que as empresas não podem se escudar no aparato regulatório, minimizar as mudanças de hábitos da sociedade e muito menos deixarem passar em brancas nuvens as inovações tecnológicas. O exemplo da rápida adoção do mobile banking no Brasil é simbólico. O mobile banking e os mecanismo digitais como o pix, já são os canais preferidos dos brasileiros para operações bancárias.
Hoje o jargão não é mais “vou pegar um táxi”, mas sim “vou pegar um Uber”. Não vou fazer uma transferência, mas farei um pix. O WhatsApp é o meio mais usado de comunicação, muito mais que voz. Aliás, o uso de voz é a funcionalidade menos usada nos smartphones.
Nas próximas décadas as empresas vencedoras serão as que constantemente sondarem a fronteira digital e a souberem usar. É um alvo móvel e veloz, e estar antenada com as mudanças é essencial para a sobrevivência empresarial. Inovar, a despeito da regulação, não subestimar a evolução exponencial da tecnologia e constantemente sondar a sua aceitação cultural, pois as pessoas são o cerne de qualquer mudança, serão as condições que farão a diferença entre ganhar ou perder o jogo digital.