Para navegar na tempestade da transformação digital, é necessário um bom comandante!

Cezar Taurion
6 min readJan 11, 2020

A jornada da transformação digital exige que a organização saia da sua zona de conforto. A velocidade das mudanças não permite mais planejamentos de longo prazo baseados apenas em evoluções incrementais, como ampliação de um mercado ou lançamento de novos produtos, similares aos atuais. O inesperado surge a cada instante. O cenário de negócios ou o business-as-usual passa a ser cada vez mais volátil, ambíguo, incerto e complexo. Os grandes bancos só se moveram com rapidez em direção ao modelo de banco digital porque foram provocados pelas Fintechs e agora pelas BigTechs. A velocidade das mudanças não foi opção deles, mas necessidade de reação.

Para qualquer setor de indústria, cenários considerados improváveis há poucos anos estão se tornando realidade. Os veículos elétricos provocam transformações em toda a cadeia automotiva, sejam montadoras, fabricantes de autopeças, concessionárias, locadoras, redes de abastecimento e até empresas de seguros. Em poucos anos qual será a fronteira que delimitará uma GM de um Uber, de uma Localiza ou de uma Porto Seguros?

O desafio é que muitos executivos que ainda têm a cabeça no mundo analógico não perceberam o quanto isso mudará o mundo dos negócios. A ruptura digital não afeta apenas indústrias tipicamente digitais, como mídia e música, mas toda e qualquer indústria. Qualquer que seja o setor de indústria, os CEOs devem perguntar a si mesmo: a) o meu atual modelo de negócios resistirá a tentativas de ruptura causado por um novo entrante nascido na era digital? b) esta mudança, se houver, será rápida, ou ainda me permitirá uma transição controlada e suave? e c) o que eu preciso fazer para transformar meu modelo de negócios atual e a cultura de minha empresa para me reposicionar em um mundo cada vez mais digital?

Muito provavelmente a resposta correta será a mais desafiadora. E o que fazer? Antes de mais nada adote um mindset questionador. Entenda que nem sempre um profundo conhecimento de sua indústria o fará ser disruptivo nela. Provavelmente não, pois a tendência é limitar nossa criatividade aos limites atuais impostos pela indústria que conhecemos. A competição na sua indústria virá de outra indústria ou de startups que ignorarão muitas das regras básicas da sua indústria.

Aliás, nem faz muito sentido as empresas de consultoria e a mídia ainda falarem em segmentos por indústria. Cada vez mais a competição é transversal, cross-industry, com os limites da competição e inovação entre as indústrias simplesmente deixando de existir. Uma inovação em uma indústria chega rapidamente à outra. E a disrupção em uma pode afetar de forma dramática outra completamente diferente. Alguém imaginou que um fabricante de micros como a Apple mudaria a indústria de música?

Assim, diante desta já visível tempestade, o jargão transformação digital já se viralizou. Toda e qualquer empresa de consultoria e fornecedora de tecnologia passou de um dia para o outro a ser líder em transformação digital. As empresas tradicionais criaram slogans de marketing “agora somos digitais”. Mas, essa transformação digital tão propalada é com t minúsculo ou realmente uma Transformação com T maiúsculo?

Com t minúsculo vemos aqui e ali o lançamento de um app, mas com todo um back-office analógico…uma cosmética reorganização no organograma sem mudar a essência do modelo organizacional. Mas, claro, tudo envolto em um marketing agressivo e bem elaborado.

Uma verdadeira Transformação com T maiúsculo é uma reinvenção do modelo organizacional (e não o simples deslocar de caixinhas), processos digitais e muito mais ágeis, e uso intenso do conceito de digitalização. A transformação é dos negócios, com o digital sendo o meio, e não um fim em si mesmo.

Relembrando a sua essência, a digitalização provoca a desmaterialização, que leva à desmonetização, que potencializa a democratização do uso. O smartphone é um exemplo clássico, pois desmaterializou diversos equipamentos físicos como CDs, gravadores, GPS, câmeras fotográficas, filmadoras, etc., que estão agora embutidos em um único dispositivo, o próprio smartphone, barateou o custo (somem o valor de todos esses equipamentos anteriormente comprados à parte) e democratizou o uso. Comparem o antigo, caro e lento processo de fotografia analógica, com o de hoje, quando vocês tiram milhares de fotos e postam em suas redes sociais, aplicando filtros muito sofisticados, de forma totalmente gratuita.

Para uma transformação digital ocorrer de fato é essencial que a liderança da organização seja a impulsionadora e patrocinadora. Sim, ele mesmo, o CEO, deve ser o líder motivador dessa transformação. Se for ação isolada, restrita a alguns setores ou unidades de negócio, não haverá transformação de fato. A visão das mudanças deve ser impulsionada pela liderança e engajada por toda a organização. As ações só ocorrem pelo engajamento das pessoas que fazem a organização. Uma mudança organizacional afeta posições conquistadas e as antigas relações de poder que o modelo hierárquico criou e consolidou de forma tão arraigada. Processos digitais demandam novos perfis profissionais e nem sempre há tempo e espaço para aproveitar todos os funcionários atuais. A TI, por exemplo, é uma das mais afetadas. Grande parte de seu acervo cultural, baseado em organizações em silos (desenvolvimento, testes, operação, suporte) desmoronam. Métodos e práticas arraigados se tornam obsoletos. Mesmo tentativas paliativas de criar uma TI bimodal mostra-se insuficiente. Bimodal deve ser apenas o início da jornada e não seu objetivo. A empresa e a TI tem que ser ágil em toda sua estrutura e processos, por princípio e essência.

Toda essa mudança cria antagonismo, ceticismo e consequentemente forte reação contrária. Infelizmente, constato nas conversas com muitos CIOs, que vários ainda se apegam ao modelo tradicional e essa sua luta inglória leva a observações sarcásticas que volta e meia ouço, como “colocar CIO e inovação na mesma frase é uma contradição em termos…”. Pode ser pura maldade, pois muitos CIOs são inovadores, mas uma parcela deles ainda se agarra ao modelo tradicional de TI que os levou a ser CIO. Mas, TI passa a ser essencial quando você percebe que “Software Should Be Eating Your Back Office”…TI já não é mais operação, mas o cerne do negócio.

O processo de transformação demanda tempo e energia. Desapontamentos, correções de rumo e fracassos, fazem parte do processo. É o próprio conceito de “destruição criativa” criado por Schumpeter. Ele descreve o processo de inovação, que tem lugar numa economia de mercado em que novos produtos destroem empresas velhas e antigos modelos de negócios. Para Schumpeter, as inovações dos empresários são a força motriz do crescimento econômico sustentado a longo prazo, apesar de que poderia até mesmo destruir empresas bem estabelecidas, reduzindo desta forma o monopólio do poder. Nesse processo, nem todos sobrevivem.

Sair do “status quo” e quebrar a inércia não é fácil. Uma sugestão é trazer startups que estejam envolvidas em inovações disruptivas, e debater com elas se essas inovações farão sentido no seu negócio. Provavelmente, em alguns casos sim, desde que seu mindset esteja aberto à mudanças. Desenhe, com a cabeça aberta, o cenário futuro da sua empresa para daqui a cinco ou dez anos e provavelmente verá que este cenário não tem nada a ver com a empresa que existe hoje. A partir daí, traga essa visão para o mundo real atual, da organização que paga as contas e desenhe seu processo de criar o futuro delineado neste cenário. É o inverso de evoluir gradualmente processos e práticas. Não se compare apenas às empresas do mesmo setor. Olhe outros setores. Olhe, por exemplo, Amazon, Tesla e Google como benchmarks. Lembre-se que a energia elétrica não surgiu da evolução incremental das velas.

Para visualizar e construir o futuro, temos que ao mesmo tempo, sermos otimistas e realistas. Não é fácil, mas precisamos construí-lo, para não sermos descontruídos por ele. Na verdade, já estamos vivendo esse futuro. Tempo de agir.

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