Quando RH for Robôs e Humanos…
A ideia, entranhada em nossa cultura, que ter um bom trabalho é ser empregado de uma empresa é oriunda dos anos 1880/1890. As indústrias criadas pela Revolução Industrial demandaram exércitos de trabalhadores, destruindo com sua capacidade de produção o cenário então predominante de artesãos e profissionais independentes. A indústria têxtil é o melhor exemplo disso, com as indústrias têxteis da época eliminando o trabalho dos artesãos. Estas indústrias introduziram a estabilidade no emprego, uma estrutura organizacional de comando e controle (estrutura hierárquica) e criaram novas funções e carreiras que poderiam ser trilhadas por quem permanecessem nelas. Surgiram sindicatos e as legislações relativas ao trabalho. Surgiu a distinção entre os trabalhadores nas linhas de produção, operários, e os administradores, os “colarinhos-brancos”, gestores das atividades. Durante dezenas de anos este modelo predominou.
A organização tradicional que conhecemos segue os princípios de Ronald Coase, economista da Universidade de Chicago ganhador do prêmio Nobel, que argumentou que geralmente faz sentido que as empresas façam as coisas internamente em vez de externamente, já que os custos de transação para encontrar fornecedores, negociar contratos e garantir que o trabalho seja bem feito são altos. Ele disse: ”uma empresa tenderá a se expandir até que o custo de organização de uma transação adicional na empresa se torne igual aos custos de realizar a mesma transação no mercado aberto”. Este modelo gerou as grandes corporações e suas hierarquias, com diversos escalões de gerentes, VPs júnior, sênior, e assim por diante.
A partir dos anos 70 e 80 do século passado com a queda do Muro de Berlim e a consequente expansão da globalização, os avanços tecnológicos da computação, e a Internet começaram a criar fissuras no modelo. Crises econômicas forçaram as empresas a repensarem o modelo de fazerem tudo em casa e a partir daí com a terceirização e automação começaram a transferi-los para prestadores externos, até mesmo em outros países, como o deslocamento de parte da força de trabalho dos EUA para a Índia e a robotização nas linhas de produção das fábricas. Don Tapscott em seu livro Wikinomics, de 2006, escreveu: “a internet causou uma queda tão grande nos custos de transação que, de fato, tornou-se muito mais útil interpretar a lei de Coase ao contrário: uma empresa tenderá a se expandir até que o custo de realizar uma transação extra no mercado aberto se torne igual aos custos de organização da mesma transação dentro da empresa”.
As mais recentes inovações da era da Internet, como a mobilidade, IA e social networks estão provocando rupturas na maneira de como as pessoas se comunicam, colaboram e trabalham. Este fenômeno afeta a maneira de como as empresas se organizam, eliminando funções e criando novas. É um desafio e tanto, principalmente na fase de transição quando as novas tecnologias não estão plenamente disseminadas e absorvidas. Uma frase de William Gibson, autor de ficção cientifica e que criou o termo “cyberspace” é emblemática: “the future is here, it´s just not evenly distributed yet”. Talvez seja o momento de debater se as organizações que temos hoje e se as profissões que exercemos serão as mesmas nas próximas décadas. Os avanços tecnológicos e as inovações de ruptura tendem a tornar obsoletos profissões estabelecidas, podem destruir setores inteiros de indústria, mas também criam novas indústrias, novos modelos de negócio, e novas profissões.
Como disse o físico Niels Bohr “`É muito difícil fazer previsões, principalmente sobre o futuro’, mas discussões sobre cenários são importantes para que possamos desenhar nossas estratégias. O futurista Ray Kurzweil calcula que nos próximos 100 anos veremos um avanço, equivalente a 20.000 anos do nosso conhecimento atual. Vale a pena ler um pouco sobre sua teoria em “Law of Accelerating Returns”, em http://www.kurzweilai.net/the-law-of-accelerating-returns .
Entretanto, a velocidade do avanço tecnológico permite apontar que o trabalho e a organização das empresas como conhecemos hoje será muito impactado nos próximos anos. A velocidade de respostas das empresas terá que ser bem maior que a que vemos hoje. Isto vai mudar o conceito de emprego e provavelmente demandará inúmeras outras profissões. Talvez daqui a 25 anos ninguém mais comemore 25 anos de atuação na mesma empresa. E muito provavelmente não permanecerá 25 anos na mesma profissão.
Mas, por que muitas vezes não vemos isso? No dia a dia corporativo nós concentramos toda a nossa atenção no cenário que conhecemos e que vemos, e passam despercebidas as mudanças sutis que ameaçam o negócio. Clayton Christensen em seu em seu livro de 1997 “The Innovator´s Dilemma” já afirmava que muitas empresas fracassam exatamente porque fazem tudo certo e que mesmo uma gestão brilhante não consegue defender um negócio estabelecido contra as tecnologias de ruptura. Outro exemplo vêm do livro ”O Poder do Pensamento Matemático” de Jordan Ellenberg. Ele conta que na Segunda Guerra Mundial os americanos tinham criado um Grupo de Pesquisa Estatística (SRG, em inglês) que uma vez se defrontou com uma questão interessante. Os militares americanos queriam blindar seus aviões contra os caças inimigos. Mas a blindagem tornava as aeronaves mais pesadas e aviões mais pesados são mais difíceis de manobrar e gastam mais combustível. Blindar demais ou de menos seriam problemas. Qual seria o ponto ideal? Os dados coletados e mostrados ao SRG mostravam que quando os aviões voltavam de suas missões estavam cobertos de furos de balas, mas os danos não eram distribuídos uniformemente. Havia muitos furos na fuselagem e quase nenhum nos motores. Parecia fazer sentido blindar a fuselagem. Será? A blindagem, segundo Abraham Wald, um matemático do SRG, não deveria ira aonde os furos de bala estavam, mas aonde não estavam. A sua sacada foi simplesmente perguntar: onde estavam os furos das balas que faltavam? Eles estavam nos aviões que não voltaram. A razão dos aviões voltarem com poucos pontos atingidos nos motores era que os muito atingidos simplesmente não voltavam. A blindagem deveria, portanto, ser feita nas partes onde não havia furos.
Atividades que já se tornaram praticamente robotizadas como atendimento de call center, consultores financeiros e de vendas, que seguem rigidamente scripts pré-definidos não terão espaço na disputa com sistemas de IA. Afinal para seguir um esquema pré-definido uma máquina faz melhor, pois pode considerar inúmeras outras variáveis, consultando em tempo real informações dispersas em dezenas de bancos de dados. Há 50 anos tínhamos 5 tripulantes no cockpit de uma aeronave: comandante, copiloto, engenheiro de voo, navegador e radio-operador. Os avanços tecnológicos permitiram que as aeronaves voem agora com dois tripulantes. E estes, diante da automação, demandam um perfil operacional diferente de décadas atrás. Os computadores voam as aeronaves e os pilotos operam os computadores. Mas a capacidade de refletir e criar vão tornar a função humana diferenciada. Assim, este cenário criará novas funções, eliminará outras e transformará as demais. Não podemos pensar única e exclusivamente em uma disputa por espaço entre humanos versus máquina, mas como expandir nossas habilidades únicas com apoio delas. Sermos colaborativos!
Em cenários cada vez mais instáveis, como as que visualizamos pela exponencialização da evolução tecnológica, temos que pensar de forma diferente nas nossas estratégias de negócio. Quanto mais compreendermos os novos e desafiadores cenários, mais condições teremos para nos redirecionarmos. Mudanças nas profissões e na formação profissional será inevitável. Quanto mais cedo entendermos os impactos das mudanças, mais preparados estaremos.