Repensando o papel da TI e do CIO…
Em 2003, Nicholas Carr publicou um artigo que foi muito debatido: “IT Doesn’t Matter”. Quem não leu na época, deve ler agora. A lição do artigo é clara: TI sendo usada de forma operacional, não traz vantagens estratégicas. Ou seja, atualizando para hoje, quase 20 anos depois, seria algo como implementar um ERP é cumprir a obrigação de buscar eficiência, mas não agrega nenhum valor competitivo. Apenas diminui a perda de eficiência que, certamente, a empresa tem hoje. A empresa que ainda não fez movimento similar, tem algo muito errado em sua gestão. Se a organização enxerga TI como commodity, um “mal necessário”, que está distante do seu negócio principal, está correndo sério risco de sobrevivência.
Por que? A razão é clara. A Quarta Revolução Industrial chegou, e nenhuma empresa ficará imune a ela. As tecnologias digitais têm o potencial de transformar por completo empresas e setores de indústria. Portanto, definir e colocar em ação uma estratégia digital é essencial para a empresa se manter relevante ou sobreviver no século 21. Por “ser digital” entendemos aquelas empresas que aplicam tecnologias e aplicações que permitem automatizar ao máximo processos e operações, melhorar substancialmente as tomadas de decisões (mais baseadas em dados e menos em intuições), criam relacionamentos estreitos e individualizados com seus clientes, e saem da casca, inovando e reinventando seus próprios modelos de negócio.
O desafio é que, reinventar um modelo de negócios quando as coisas estão funcionando ou dentro de uma crise econômica, parece ser uma ideia alucinada. Mas em mundo de exponencialidades, globalizado, a inovação não espera por você. Lembram-se do tsunami que afetou a indústria de música? O Napster foi lançado em 1999 e em apenas cinco anos a evolução tecnológica fez com que as receitas das gravadoras caíssem à metade! O Uber está chacoalhando a indústria de táxis, o Airbnb a de hospedagem, o Netflix a de TV a cabo, o WhatsApp a de receitas de telefonia móvel com SMS. E, incrível, estas inovações não surgiram pelas mãos das empresas que dominam o mercado. Vieram de fora da indústria, e startups ou empresas de outros setores! Vale a pena ler o que considero um dos mais importantes livros sobre negócios, publicado em 1997, “The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail”. Se quiserem um bom resumo, tem um texto “Understanding the Innovator’s Dilemma” que sintetiza o contexto. As empresas que já estão no mercado, ou ignoram ou até inventam novas tecnologias, mas por elas canibalizarem sua “cash cow” não investem nelas e acabam sendo ultrapassados por novos entrantes, que não precisam se preocupar com o legado.
A transformação dos negócios impulsionada pela revolução digital é uma realidade que já bate às nossas portas. A visão estratégica correta aponta nitidamente que as empresas devem deslocar o máximo de seus budgets de TI para inciativas de transformação digital e não para melhorarem o que tem hoje, pois muito provavelmente o que está sendo feito hoje pode perder totalmente sua importância em pouco anos. Não há nada mais inútil que fazer com eficiência algo que não deveria ser feito ou que não mais precisará ser feito muito em breve.
Um exemplo que considero dramático é a pouca utilização de algoritmos (regras matemáticas de processamento de informação) dentro das empresas. Mesmo terminologias que já estão caindo em desuso, como “Big Data”, tem seus conceitos ainda não plenamente dominados e aplicações incipientes. São raríssimas as empresas que mantém em seu quadro “data scientists”. Espantoso que todos os executivos já constataram que temos a cada dia mais sensores, apps, computação em nuvem, etc., tudo aumentando de forma exponencial o fluxo de informações digitalizadas. Mas, pouco é feito para explorar essa verdadeira mina de ouro que as empresas possuem, e simplesmente não garimpam. Raras são as empresas brasileiras que usam estes dados para alimentar algoritmos para detectar padrões e fazer previsões. Um dos fatores de sucesso da Amazon e Netflix são seus algoritmos de recomendação. No Brasil, estamos muito atrasados. Basta ver os eventos sobre o tema. Na imensa maioria mostram cases de como “Big data” e algoritmos são usados em outros países, quase não vemos exemplos locais.
Estratégia digital e uso de algoritmos não é apenas desafio para os CIOs. Os CEOs tem que assumir a postura de “entrar na briga” e inserir DNA digital nas suas empresas. Muitos ainda ignoram a tendência e permanecem na defensiva. Já perderam o jogo, só não sabem disso ainda. Outros sabem que o tempo para começar a transformação digital está se esgotando, que não é mais uma questão de escolha, mas não sabem por onde começar. Aqui quero lembrar que ser digital é se transformar em uma empresa de tecnologia ou pelo menos com forte viés de tecnologia. Sim, tecnologia passa a ser parte central do seu negócio, qualquer que seja ele. Mas isso não significa que sua empresa vai começar a vender software. A tecnologia tem que ficar escondida para que os seus clientes tenham experiências únicas. A tecnologia tem que se tronar natural no seu negócio e a interação deles com a sua empresa tem que ser a mais fluida e sem fricções possíveis.
Vamos tentar ajudar…ser digital não é apenas para startups. Empresas tradicionais podem e devem se transformar em empresas digitais. É possível sim, se moldar ao novo jogo. Para isso, é necessário, antes de mais nada, mudar o seu paradigma ou modelo mental. Pensar digital significa pensar estrategicamente não apenas na sua empresa, mas no ecossistema como um todo. Criar uma plataforma digital que permita a sua empresa, clientes e parceiros desenvolverem soluções inovadoras. Nenhuma empresa conseguirá se inovar continuamente se ficar isolada do ecossistema. A estratégia digital tem que ter liderança. O CEO dá o tom, mas um executivo sênior, que pode ser o CIO, se ele tiver esse perfil (muitos hoje não tem…) deve assumir a liderança deste processo por toda a organização. Erro crasso: criar uma função apelidada de CDO (Chief Digital Officer) e subordiná-lo ao CIO, em uma TI com viés operacional. Não vai se chegar a lugar nenhum! A cultura digital deve ser disseminada pela organização. Criar ambientes propícios à colaboração, estimular ao máximo a digitalização de todos os processos e operações da empresa.
Um grande desafio é como equilibrar o modelo atual e o novo, digital. Não existe receita de bolo pronta. Cada empresa vai encontrar seu ritmo, mas não planeje um tempo muito longo para isso e nem espere a crise passar para começar a fazer as mudanças. Implementar mudanças muito lentas poderá ser fatal, principalmente se um concorrente de fora de seu setor ou uma startup surgir com um ritmo muito mais acelerado que o seu. Concentrar sua visão estratégica no curto prazo, como vemos em tempos de crise, nos leva a ignorar as ameaças competitivas que surgem inesperadamente, e como as tecnologias e outras inovações podem afetar nosso modelo de negócios. Sugiro a leitura do texto de Larry Finck, CEO da BlackRock, “Here is the letter the world’s largest investor, BlackRock CEO Larry Fink, just sent to CEOs everywhere”, onde ele critica a visão curto-prazista de muitas empresas e seus executivos. É uma leitura obrigatória para todos os CEOs. Um extrato emblemático: “While we’ve heard strong support from corporate leaders for taking such a long-term view, many companies continue to engage in practices that may undermine their ability to invest for the future.”.
Além disso, não esqueça que a transformação para uma empresa digital implica automaticamente em uma empresa ágil e com outra estrutura organizacional. A esclerosada estrutura hierárquica não vai suportar essa nova velocidade. A jornada de uma empresa em se transformar em digital não pode ser delegada ou terceirizada. Envolve todos os executivos e funcionários. O CEO deve investir pelo menos de uns 30% a 50% do seu tempo. O CIO mais que isso, ou então passe a bola para outro executivo, um verdadeiro CDO (Chief Digital Officer) que esteja ligado diretamente ao CEO, e com plenos poderes para liderar o processo. Boa jornada!