Startups : e quando chega a fase de scale up?
Nas minhas observações, investmentos e mentorias com várias startups, vejo que elas seguem mais ou menos um padrão de evolução, que é bem exemplificado no livro “The Start-Up J Curve: The Six Steps to Entrepreneurial Success” de Howard Love. Mas, podemos fazer um resumo, agrupando o seu ciclo evolutivo, em três fases básicas: inovação, sistematização e crescimento ou scale.
Sair da fase de inovação, para a sistematização e crescimento, demanda desafios bem diferentes. Muitas startups não conseguem decolar, mesmo tendo conseguido sucesso inicial na fase de inovação, por razões como:
1) Não conseguiram montar uma equipe coesa e capaz de gerenciar o crescimento. Sair da fase da empolgação, onde tudo é “cool”, para entrar no mundo do CNPJ e suas idiossincrasias demanda gestão profissional que nem todos fundadores possuem.
2) Não conseguiram montar uma estrutura organizacional que permita evoluir com consistência, de meia dúzia de devotados colaboradores para dezenas de funcionários, mantendo o mesmo espírito de inovação e comprometimento.
3) Não conseguiram criar uma cultura que mantenha perene a filosofia inicial dos fundadores. A cultura deve permear a empresa desde o início e não ser deixada em segundo plano, para ser escrita e divulgada somente depois que a startup se consolidou.
4) Não conseguiram criar processos que permitam aos gestores a tomar decisões sem depender dos fundadores.
A fase inicial de uma startup, demanda muito esforço, é verdade, mas é um período de muito entusiasmo, de criação de um produto ou serviço inovador. Ver os clientes usarem seu produto, e ler reportagens na mídia falando dele, é simplesmente entusiasmante.
Entretanto, nesse período começamos a ver os sinais de eventuais problemas à frente. A equipe fundadora é chave para o crescimento. Ela tem que ser complementar, com pelo menos três expertises garantidas: tecnologia, conhecimento do negócio e vendas. Sim, vendas. Bill Gates e Steve Jobs eram, como CEOs, grandes vendedores. Se a equipe não tiver estas expertises é o momento de preencher o “gap”, para evitar problemas futuros.
Quando a startup dá sinais que pode escalar, começa a busca por aportes financeiros de maior peso, e são questionadas com mais firmeza quanto a:
1) Quanto custa adquirir um novo cliente (custo de aquisição de cliente)?
2) Em quanto tempo o cliente torna-se lucrativo?
3) Qual a lucratividade do produto ou serviço?
4) Como vão adquirir novos clientes?
Preste atenção à margem de lucro do negócio. Margem muito baixa pode significar que a competição é muito acirrada (os clientes tendem a se concentrar em torno dos preços mais baixos) ou sua startup não está conseguindo gerar a percepção de valor adequada. Também pode ser sinal de ineficiência operacional. Monitore KPI básicos como CAC (Custo de Aquisição de Clientes), churn rate, LTV (Lifetime Value), MAV (Monthly Active Users), entre outros.
Aí a frase “mas eu sou uma startup”, deixa de valer e começamos a analisar a startup como uma empresa que tem que apresentar resultados para seus acionistas e funcionários. A fase do “tudo pode, pois sou uma startup” acabou.
A transição de startup para uma empresa sistematizada e em crescimento demanda um perfil executivo que nem todos fundadores possuem. Muitas vezes aquele CEO entusiasta, cheio de ideias, que tirou a startup do chão não é a pessoa ideal para fazer com que ela voe. É o momento de assumir que cada fase da vida de um negócio demanda um perfil executivo diferente, e dificilmente uma pessoa conseguirá assumir tantos perfis distintos e se sair bem em todos eles. Maturidade é reconhecer quando é momento de deixar de ser CEO, e ir para o conselho, atuando como estrategista e visionário.
A fase de crescimento começa com a sistematização dos processos. Como os clientes são atendidos? Como os problemas são resolvidos? As preocupações com os números começam a ter destaque. É a hora de buscar um bom gestor financeiro! Busque um com experiência em startups e/ou empresas de rápido crescimento, de firma de investimentos ou de uma consultoria, mas que não seja um executivo tradicional, preso às análises de empresas sólidas e lentas nas reações.
Não acelere o crescimento se não tiver sistematizado e corrigido as falhas em suas operações. A conta vai chegar lá na frente! A sistematização pode ser muito difícil para as startups. Os funcionários que costumam tomar decisões rápidas, por instinto, podem ter dificuldade com o fato de que agora devem seguir os processos, considerar o impacto de suas ações em outras partes da organização ou obter aprovação para gastar dinheiro ou comprometer a empresa em um acordo de parceria. Mas, lembre-se que a essência da startup, como agilidade e velocidade, não pode ser acorrentada pelos processos. É fundamental manter o espirito de startup, pois você que antes criou uma disrupção e deslocou empresas estabelecidas, agora corre o risco de ser deslocado por outra startup que esteja surgindo e crescendo exponencialmente em cima do seu espaço. O espirito de startup, de ser ágil e reagir rápido, deve ser o DNA da empresa.
Cuidado com a estrutura organizacional. Uma estrutura hierárquica, que aparentemente funciona como uma máquina bem azeitada, onde você sabe com quem falar para determinado assunto, significa na prática que os procedimentos conseguiram dominar os negócios. É fácil desenhar caixinhas e colocar pessoas nelas. Não faça isso. Aproveite a oportunidade e não se estruture como uma empresa do século 20. Se a empresa está sendo criada hoje, é absolutamente perda de tempo criá-la dentro do modelo hierárquico tradicional. Estará sendo condenada a fracassar em pouco tempo. Seu scale up vai perder tração rapidamente. Comece do zero e restrinja a hierarquia ao mínimo possível.
Contratar e reter talentos é essencial. Na minha opinião é a coisa mais importante que você faz. Entrevistar pessoas é uma habilidade que nem todos tem, mas que pode e deve ser aprendida. Não descuide disso e não deixe que as entrevistas sejam conduzidas por quem não está preparado. Evite a tentação de contratar com rapidez. A urgência de preencher uma vaga não é tão importante assim para comprometer a qualidade da contratação. Contrate por habilidade e alinhamento ao propósito da sua startup. Contrate não pelo conhecimento que possuem, mas pelo seu potencial de aprendizado e evolução. E, também não fique restrito a skills excessivamente técnicos.
É ir além da sua rede de contatos e relacionamentos. Também vai descobrir que alguns funcionários que começaram com a startup talvez não sejam mais adequados. Um perfil profissional mais alinhado com negócios em “early stage” nem sempre consegue trabalhar com processos mais estruturados.
O local de trabalho, cada vez mais híbrido, também é de extrema importância. No lado presencial, deve ser projetado para maximizar a energia e a interação, e não o isolamento e o status. Não esqueça das interações online, com trabalho remoto cada vez mais presente, demandando que a cultura seja preservada e que o modelo de gestão seja adaptado.
A sistematização é a base para a fase de crescimento e a etapa que se constrói os processos e sistemas de gestão. Começamos a ver a necessidade de sistemas de gestão financeira, de controle de qualidade do atendimento a clientes, de controle de qualidade do software a ser entregue, de precificação, de gestão de talentos e assim por diante.
E agora, a fase de crescimento. A tão sonhada “scale phase” que em tese, pode levar a startup a ser um unicórnio. Entretanto, sonhos e desejos não criam unicórnios. Reportagens na mídia, também não! O importante é saber o momento certo de escalar. Se for prematuro, vai certamente levar a startup para o buraco. Se for procrastinado, outro competidor pode ocupar seu espaço. Acredite, sua ideia não é a única! Escale apenas quando você já tiver acertado o produto ou serviço, e refinado o seu business model e sistematizado suas operações. Isso significa que ao mesmo tempo a startup deve continuar como startup em termos de inovação e agilidade, mas também agir como empresa consistente, preocupada com os resultados e a qualidade do atendimento aos seus clientes. É hora de ter em seus quadros pessoas com experiência no mundo real. Conseguir profissionais de empresas de nome no setor, com sua grande bagagem, vai ajudar muito. Vão trazer ideias e alternativas para enfrentar o mundo real dos negócios, com suas regulações, competições, reclamações de clientes, funcionários insatisfeitos e assim por diante.
A fase de crescimento demanda novos desafios. Crescer em que direção? Crescer versus manter rentabilidade? Qual a velocidade do crescimento? Tenho condições de crescer exponencialmente ou devo crescer mais lentamente para ir aprendendo com os erros? Serão necessárias ações de marketing mais agressivas? Quanto custam? Precisamos de mais aporte? Quais as opções e a que custo?
Startups são divertidas e empolgantes. Mas, evoluir da fase de inovação onde os principais desafios são tecnológicos e entrar na sistematização e posterior crescimento envolve decisões diferentes. O esforço é muito mais dedicado a estratégias, análises econômicas e financeiras, alocação de recursos e gestão de talentos.
A vida de uma startup não é uma reta apontada para cima. Tem altos e baixos. Tem momentos em que tudo dá certo e outros em que parece que as coisas não funcionam. Regulações inesperadas surgem, uma ação da concorrência que afeta o negócio diretamente, e reclamações dos clientes, que antes adoravam o produto começam a aparecer. Mas, esse é o mundo dos negócios. Bem-vindo a ele!