Talvez tenhamos que repensar tudo e buscarmos novos caminhos…
Há muitos anos interagindo profissionalmente com executivos, principalmente CEOS e CIOs de muitas organizações, ficou claro para mim que o conceito da jornada da transformação digital está ganhando substância. Os executivos estão cada vez mais envolvidos, e conscientes que o futuro e a vantagem competitiva das suas empresas estão no mundo digital. Já entendem que ficar para trás nesta corrida, é perder competitividade e, pior, colocar em risco a sua própria sobrevivência empresarial. Já começam a perceber que a transformação digital não é um fim em si mesmo, mas apenas o fundamento, os pilares para algo maior, a transformação dos negócios na era pós-digital. Estas transformações sim, que serão dramáticas e virarão os negócios atuais de ponta cabeça. Portanto, se a transformação digital é a fundação, e pouco fizemos nesta direção, já estamos atrasados, pois não é a nossa meta, mas a base para as mudanças.
Este alerta foi dado também no Fórum Mundial de Davos, em janeiro de 2016, quando seu chairman Klaus Schwab disse que uma mudança estrutural está em andamento na economia mundial, no que seria o início da Quarta Revolução Industrial. Segundo ele, esta revolução aprofundaria elementos da Terceira Revolução, a da computação e faria uma “fusão de tecnologias, borrando as linhas divisórias entre as esferas físicas, digitais e biológicas”. Esta nova revolução, unindo mudanças socioeconômicas e demográficas, terá impactos nos modelos e formas de fazer de negócios e no mercado de trabalho. Afetará exponencialmente todos os setores da economia e todas as regiões do mundo. Mas não do mesmo modo. Haverá ganhadores e perdedores. “As mudanças são tão profundas que, da perspectiva da história humana, nunca houve um tempo de maior promessa ou potencial perigo”. Administrar essa mudança de paradigma é o processo de transição essencial para assegurar a estabilidade econômica e social e consequentemente a sobrevivência das empresas. O grande desafio, segundo Schwab, é que as autoridades políticas e executivos frequentemente são prisioneiros do pensamento tradicional ou estão tão absorvidos por questões imediatas para pensar estrategicamente sobre as formas de disrupção e inovação que estão modelando o futuro.
A quarta revolução se apoia na terceira, conhecida como revolução digital, e que permitiu a proliferação de computadores e smartphones. Esta nova onda de transformações difere da anteriores por três razões:
a) As inovações nunca foram difundidas tão rapidamente como agora,
b) A queda dos custos marginais de produção e o surgimento de plataformas que agregam e concentram atividades em vários setores elevam a economia de escala,
c) Essa revolução afetará todos os países e terá impactos sistêmico em várias áreas.
O consumidor, por exemplo, fica, a cada dia mais engajado e transforma-se em “consumi-ator”, como novas maneiras de usar a tecnologia para mudar comportamentos e sistemas de produção. O mercado de trabalho será afetado dramaticamente, inclusive com trabalhos intelectuais mais repetitivos substituídos pela robotização. As mudanças não são perspectivas, mas reais. Estão aí. As empresas precisam se antecipar e preparar-se para elas. É questão de sobrevivência e não opção.
Entretanto, apesar deste cenário, as ações na imensa maioria das empresas ainda estão incipientes e por várias razões, que passam pela dificuldade de se estabelecer métricas que permitam valorizar os investimentos digitais, pela carência de expertise e, claro, por processos de negócio engessados. Muitos executivos confirmam que estão conscientes da importância da jornada da transformação digital em suas empresas, mas encontram dificuldades em expressar esta importância em valor mensurável para o negócio. Enfrentam descrenças e reações da alta administração, enraizados em seus paradigmas de pensar os negócios atuais como perenes.
Sem dúvidas, não poderá haver mais estratégia de negócios sem a base de uma estratégia digital. As estratégias de negócio passam a ser, naturalmente, estratégias digitais. Uma frase que sintetiza isso muito bem é a de Bob Johansen, do Institute for the Future que disse “agora é tarde demais para se ter uma estratégia digital. O que você precisa é uma estratégia que inclua o digital, e isso é uma grande mudança”.
Chegar a este patamar exige muito esforço. A maioria das organizações sabe disso, mas ainda não incorporou a estratégia digital em suas estratégias de negócio. Claro que existem diversas iniciativas de exploração das novas ondas tecnológicas, como IA, mobilidade, Cloud Computing e Internet of Things. Mas são, em sua maioria isoladas, geralmente desenvolvidas por equipes separadas de estratégia digital, muitas vezes posicionados na área de marketing ou TI. Estas ações produzem resultados imediatos, mas pecam por não estarem envolvidas em uma estratégia maior da organização. Uma estratégia de negócios digital envolve muito mais que ações de marketing, pois afeta não apenas o relacionamento e engajamento com clientes, mas inclui redesenho de processos, inclusão de inteligência nos produtos e provavelmente criação de novos modelos de negócio.
Uma específica conversa com um CIO de uma grande corporação foi bastante emblemática da situação em diversas empresas. Ele me disse que está envolvido em várias ações que envolvem tecnologias como mobilidade, mas todas elas estão apenas provocando pequenas melhorias incrementais nos processos já existentes. Nenhuma criou um novo processo ou permitiu o lançamento de um novo e inovador produto. Uma das razões para isso, é que apesar do discurso da importância de “ser digital”, muitos executivos continuam olhando a TI como uma área operacional, gerenciada por custos. Segundo ele o portfólio de suas próprias aplicações exemplifica nitidamente a visão da TI ser vista como operacional: a imensa maioria dos seus sistemas e investimentos de TI são em sistemas ERP e de apoio a operações básicas como na área de RH. Esta área, especificamente, é emblemática para ele: os sistemas atendem as operações transacionais do setor RH, mas não envolve por exemplo uma inteligência maior, como uma correlação algorítmica entre o perfil dos funcionários e os cargos que ocupam. Fica claro, porque neste contexto, quando em situações de crise, a TI sofre os mesmos cortes de outras áreas operacionais. Ela é vista, simplesmente, como outra área de operacional, de apoio.
Um CEO também sinalizou um sintoma semelhante. A sua empresa tinha diversas ações de utilização de mídias sociais, mas que estavam totalmente sob controle da área de marketing, e focadas exclusivamente em criar uma maior interação com seus clientes. Entretanto, por não estar integrada com os sistemas de BackOffice não conseguiam melhorar a eficiência dos processos de engajamento com os próprios clientes. Uma reclamação de um cliente era respondida rapidamente pelo setor de marketing pelas próprias mídias sociais, mas o problema gerador da reclamação não era repassado e analisado internamente pelos setores responsáveis, e nada se fazia para evitar futuras reclamações similares. Além disso, seus sistemas e processos de negócio não permitiam que a empresa atuasse realmente como uma operação multicanal. Cada canal de contato com o cliente mostrava uma faceta diferente.
Interessante que a imensa maioria dos executivos com quem conversei sobre transformação digital não consideravam prioritariamente a criação de novos modelos de negócio, proporcionados pelo “pensar digital” da organização. Na minha opinião este é um dos objetivos principais de uma estratégia de negócios que envolva a estratégia digital: romper com o status quo e criar vantagens competitivas em relação à concorrência. Um exemplo seria entrar em novos negócios, acoplando inteligência aos produtos e com isso passando de fabricante à empresa de serviços. O produto claro, continuaria a ser fabricado, mas seria meio alavancador de serviços.
Um desafio que a maioria das empresas enfrenta é que uma estratégia de negócios que integra a estratégia digital, demanda que os executivos de negócios e o CIOs atuem de forma coordenada e com pensamento estratégico. Isso significa reposicionar o atual setor de TI, visto ainda em muitas empresas como uma função operacional, para assumir um papel estratégico, eventualmente ligada diretamente ao CEO, com seu executivo responsável atuando no board de decisões. Envolve também uma mudança de postura do próprio CIO, que deve se envolver cada vez menos com assuntos puramente tecnológicos e muito mais com negócios e estratégia. O CIO deixa de ser um nerd que atua como um tradutor da hermética linguagem tecnológica para os demais executivos, para ser ele mesmo um executivo estratégico, com poder de decisão. Claro que não é uma transição fácil e, infelizmente, nem todos os CIOs conseguirão fazê-la com sucesso.
O atual cenário de negócios é um mundo de clientes cada vez mais conectados, processos cada vez mais automatizados, objetos inteligentes e sofisticados algoritmos analíticos. Nada disso é futurologia. Já estão provocando mudanças significativas em setores de negócio, chegando a abalar alguns e mudar por completo o modelo de negócios de outros. Novos e inovadores negócios são construídos no mundo digital, com algoritmos sofisticados como base de vantagem competitiva, como Netflix, Amazon, eBay e Booking.com. A questão é: será que isso só vale para empresas que nasceram no mundo digital? Creio que não! Um simples olhar a meros dez anos atrás nos mostra que o mundo de hoje mudou tanto quanto nos 20 ou 30 anos anteriores a estes dez anos. E nos próximos dez as mudanças serão equivalentes aos últimos 50 anos. Impressionante, mas este ritmo alucinante está sobre nós. Este novo e desafiador contexto precisa e deve ser enfrentado de frente. Não pode ser ignorado ou subestimado. Para criar uma estratégia de negócios que envolva a estratégia digital é absolutamente necessário reposicionar a tradicional TI que opera a infraestrutura e os ERPs de hoje. Demanda novos processos e um novo pensar. O parâmetro básico de TI que era ser a mais eficiente possível (fazer mais com menos) precisa ser ajustado à crescente velocidade de entrega. O clássico dilema da TI em escolher qualidade x velocidade x custo precisa ser resolvido. Não é mais um ou outro, mas sim todos ao mesmo tempo. Como? Este é o desafio para os CIOs. Novos tempos, demanda uma nova TI.
Todos nós sabemos que é preciso discernimento e até mesmo coragem para enfrentar as mudanças que a vida exige. Quem fica em dúvida, depois paga uma conta muito alta, já que para alcançar quem saiu na frente e ousou é preciso muito mais ousadia e velocidade. Certa vez perguntaram ao líder espiritual tibetano, Dalai Lama: “E se um dia o senhor descobrir que está indo no caminho errado”? Resposta: “Teremos de repensar tudo que defendemos até então e buscarmos novos caminhos”! Esta é a senha — novos caminhos!