Tem sentido no século 21, mantermos uma educação criada para o século 20? A resposta é não!
O atual modelo de educação foi moldado no século 20 pela busca de vínculos estreitos com as demandas do mercado de trabalho da sociedade industrial. Porém, no século 21, não podemos mais pensar na educação apenas como um conjunto de habilidades e conhecimentos para fins especializados: as máquinas estão adquirindo rapidamente essas habilidades. Eu questiono profundamente se o modelo de aulas passivas, ainda comuns na maioria das escolas, deve continuar sendo aplicado, quando quase tudo a ser aprendido está disponível na internet. Questiono, se continua fazendo sentido, em 2021, um modelo educacional onde o professor e um pequeno conjunto de livros é a principal fonte de informação para crianças, quando elas podem ter acesso a praticamente todo conhecimento humano em segundos, usando um smartphone que cabe em seu bolso?
O mundo está mudando muito rápido e já se mostra impraticável ousarmos ensinar às crianças o que acreditamos que elas precisam saber, pois este aprendizado estará obsoleto em pouco tempo. Elas precisam sim, aprender a aprender, por si mesmo. Serem incentivadas ao autoestudo, ao aprendizado contínuo, desde a infância. Para isso, precisamos evoluir de aulas passivas para sessões de interações criativas, colaborativas, online e presencial, além de forte incentivo às pesquisas em tempo real e, idealmente, capacitação para construir seus próprios “livros” digitais. Crianças podem montar seus próprios livros digitais, de forma colaborativa, usando recursos drag-and-drop em tablets e smartphones. Podem acessar material que esteja disponível em qualquer lugar do mundo, disponível 24x7, e não apenas nas restritas horas de aulas.
Vivemos em uma sociedade digital e a IA está cada vez mais permeando nosso dia a dia. Se usada adequadamente, a IA nos abre um caminho para uma meta há muito buscada pelos melhores professores: aprendizado personalizado e em torno de disciplinas individuais, de acordo com as características pessoais de cada aluno. Afinal, se cada pessoa aprende melhor de um jeito, não faz sentido que todas sejam expostas a um mesmo tipo de aprendizagem. A IA pode reunir e entender um amplo conjunto de dados individualizados sobre a aprendizagem dos alunos e orientar continuamente o processo de educação.
Não significa em absoluto eliminar a figura do professor, mas criar uma sinergia entre máquinas e humanos no processo educacional. Muda o papel do professor. Ele deixa de ser um provedor de conteúdo e se torna um mentor, um curador. A educação, claramente, precisa se reinventar para que a nossa sociedade consiga enfrentar o desafio do século 21. Muitos países estão investindo no redesenho de seus sistemas educacionais. A tecnologia digital e a IA podem ser grandes contribuidores para esse processo. O Fórum Econômico Mundial (WEF) tem produzido relatórios muito interessantes sobre o tema, como os estudos “New Vision for Education: Fostering Social and Emotional Learning Through Technology” e “Schools of the Future: Defining New Models of Education for the Fourth Industrial Revolution”, que recomendo a leitura.
O movimento chamado de edtechs, startups que propõem a criar soluções inovadoras para educação, vem se disseminando pelo mundo. De acordo com a Software & Information Industry Association (SIIA; Associação da Indústria de Software e Informação, em tradução livre), o mercado de edtechs nos EUA gira em torno de US$ 9 bilhões. No Brasil os últimos levantamentos apontam mais de 450 startups no setor. Adiciona-se a isso o efeito provocado pelo COVID, que obrigou a escolas e universidades a adotarem, de forma compulsória o estudo remoto, em casa, quebrando hábitos arraigados e as forçando a repensar novos métodos de ensino. Todos esses sinais apontam inequivocamente que a educação está em transformação. A transformação digital da educação está batendo às portas. Veremos um processo de disrupção em um setor, que por incrível que pareça, é bem conservador e um dos menos inovadores.
A IA terá papel fundamental no processo de ruptura do modelo educacional. O grande desafio das sociedades é saber para quais profissões preparar as pessoas. Uma criança de dez anos hoje irá trabalhar em profissões que nem sabemos quais são, pois muitas ainda não foram inventadas. E muito provavelmente, em sua carreira profissional, atuará em diversas profissões. Assim, a educação não pode formar alguém para algo que não sabemos por quanto tempo existirá, mas preparar os indivíduos para se adaptarem rapidamente a novas profissões e papéis. O que sabemos é que muitas profissões atuais desaparecerão e outras serão criadas. E todas, sem exceção, serão transformadas. Um livro que debate profundamente o assunto é “The Future of The Professions” de Richard e Daniel Susskind, leitura instigante e que todos interessados em debater como será o trabalho no futuro devem ler.
Como será a educação em um mundo onde a IA será pervasiva? Um estudo “Future Frontiers: education for an AI world” analisa os desafios da educação onde robôs e humanos estarão atuando em sinergia. Isso implica, por exemplo, no aprendizado de robótica e seus conceitos, que serão tão comuns no nosso dia a dia, quanto hoje são os smartphones. Provavelmente teremos programas estilo “one robot per child” que vai facilitar o contato e a interação com essas máquinas de forma lúdica e intuitiva.
Mas, a principal aplicação da IA não será em robôs físicos substituindo humanos, mas em robôs de software, exemplificados em sistemas e assistentes virtuais controlados por voz, no apoio às tarefas educacionais, como agentes pedagógicos, auxiliando e complementando as atividades dos professores. Algoritmos podem ajudar a identificar problemas no aprendizado, detectar probabilidade de evasão escolar e recomendar textos e vídeos que ajudem no ensino personalizado. Um sistema de IA pode ajudar alunos a solucionar dúvidas e questionamentos. Um exemplo é o da Universidade da Georgia (Georgia Tech) nos EUA, que usa um sistema de IA para responder dúvidas de alunos dos cursos de ciências da computação. Vale a pena ver o exemplo “Artificial Intelligence Course Creates AI Teaching Assistant”. IA também pode ajudar a democratizar a educação, pois permite que cursos mais restritos sejam mais facilmente disponibilizados. Um artigo interessante sobre o tema é “Eton for all”: will robot teachers mean everyone gets an elite education?”.
A IA pode e terá papel importante no redesenho da educação. A IA não deve ser vista como tecnologia ameaçadora que eliminará o professor do sistema educacional, mas como poderosa ferramenta de apoio no desenvolvimento de um novo modelo educacional. A educação precisa e tem que mudar. A IA ajudará nesse processo, mas o mais importante é que todos os atores envolvidos estejam sintonizados com o potencial e limitações da tecnologia, e a usem de forma inovadora, para redesenhar o atual modelo.
Infelizmente, na minha opinião, o setor de educação, salvo raras exceções adota um modelo mental muito conservador. E não apenas os gestores de escolas e burocratas de órgãos reguladores (os mais conservadores), mas também professores e até mesmo muitos pais de alunos. Para muitos deles, a educação é tão importante que não podemos incorrer em riscos de mudarmos o modo que fazemos, pois talvez o novo método não funcione. Mas, se ela é tão importante, devemos correr os riscos sim, pois o modelo atual já está se mostrando inviável e inflexível para o aprendizado exigido pela dinâmica social, cultural e tecnológica do século 21. As crianças podem aprender de forma muito mais rápida que os métodos de ensino atuais permitem. Eu acredito firmemente que elas adotarão facilmente novos métodos. Nós, os adultos é que temos medo de mudar. As crianças, não.