Teremos CIOs em 2030?

Cezar Taurion
8 min readDec 10, 2019

--

Nos mais de 30 anos de minha vida profissional, venho acompanhando de perto a trajetória do setor de TI e o papel dos seus gestores. Os títulos variaram ao longo do tempo. Já convivi com muitos “gerentes de CPD” quando o mainframe era a única computação disponível nas empresas. No início da década de 80, surgiu o termo CIO, proposto em um livro chamado “Information Resource Management: Opportunities and Strategies for the 1980s”, publicado em 1981. Aos poucos, a sigla foi se espalhando e hoje é basicamente o título de quem assume a gestão de TI nas organizações.

Durante algumas décadas, dos anos 90 até poucos anos atrás, o CIO se manteve firme, controlando de forma monopolista, a adoção de tecnologias nas empresas. A ambição máxima de quem entrava em computação era chegar a esta posição. Nos últimos anos, principalmente com a rápida disseminação de tecnologias móveis (smartphones) e conceitos transformadores, como uso mais intenso de cloud computing e apps móveis, a velocidade da disseminação das tecnologias nas empresas se acelerou muito. A inovação tecnológica evoluiu e continua evoluindo exponencialmente, e em consequência, os métodos, processos e papéis dos CIOs, como foram estruturados e consolidados ao longo das últimas décadas se tornou obsoleto.

As inovações disruptivas surgiram e continuam surgindo diariamente. Apesar destas mudanças, a maioria dos CIOs continuou concentrando seu foco na gestão dos bastidores, fazendo o “trabalho pesado”, como garantindo (ou tentando) que hackers não invadam seus sistemas, mantendo o parque computacional operando sem interrupções (em cloud computing torna-se mais complicado fazer isso com os processos atuais, pois o CIO não tem controle sobre os equipamentos e nem sobre o data center onde estes equipamentos operam), mantendo o ERP atualizado, negociando contratos com fornecedores de tecnologia e assim por diante.

O fato é que muitos CIOs não têm conseguido acompanhar este ritmo, e como resultado hoje circulam comentários maldosos como “colocar CIO e inovação na mesma frase é uma contradição em termos”. Não necessariamente que a culpa seja do CIO (embora conheço muitos que se mantém na sua zona de conforto tecnológica, sem maiores envolvimentos com o negócio), mas principalmente devido ao papel que são obrigados a cumprir nas suas empresas. Eles têm a responsabilidade de manter os sistemas legados, que são o cerne dos processos atuais, e 80% ou mais do seu budget é para manter “as luzes acesas” ou seja, o dia a dia operando a TI sem down-times.

Em consequência, para falar de inovação, acaba-se indo ao CMO (Chief Marketing Officer) ou ao CEO. Devido a importância da digitalização da economia e dos negócios, recorre-se à figura de um CDO (Chief Digital Officer) e pelo tsunami de dados que estão disponíveis para análises cria-se Chief Data Scientists, Machine Learning Engineers ou títulos correlatos.

Assim, pelas restrições que os CIOs impuseram ao longo das décadas, assumindo o controle da homologação de quais tecnologias poderiam entrar ou não na empresa, os usuários se incomodam em ver que em casa, eles e seus filhos, usam tecnologias mais avançadas e intuitivas que as que dão obrigadas a usar no escritório. Isto levou a disseminação da “shadow IT” e faz com que os budgets de tecnologia de muitas empresas acabassem sendo maiores fora da TI tradicional.

Além disso, a cada dia vemos mais e mais a intimidade com a tecnologia, principalmente da nova geração se espalhando pelas atividades profissionais. Usar sofisticadas apps em nuvem hoje é tão corriqueiro para um profissional de TI quanto para um agrônomo, um fazendeiro ou um advogado.

A realidade nua e crua é que o conceito da jornada da transformação digital está ganhando substância e a transformação digital, como o primeiro passo para a transformação dos negócios não espera por ninguém, nem pelo CIO. Muitos deles já estão perdendo ou se já não perderam, o controle da inovação digital nas empresas. Os executivos de negócio estão cada vez mais envolvidos, e conscientes que o futuro e a vantagem competitiva das suas empresas estão no mundo digital. Já entendem que ficar para trás nesta corrida, é perder competitividade e, pior, colocar em risco a sua própria sobrevivência empresarial. Já perceberam que a transformação digital não é um fim em si mesmo, mas apenas o fundamento, os pilares para algo maior, a transformação dos negócios na era pós-digital. Estas transformações sim, que serão dramáticas e virarão os negócios atuais de ponta cabeça. Portanto, se a transformação digital é a fundação, e se a área de TI pouco contribuir, passa-se por cima dela.

Este alerta foi dado no Fórum Mundial de Davos, lá nos idos de janeiro de 2016, quando seu chairman Klaus Schwab disse que uma mudança estrutural está em andamento na economia mundial, no que seria o início da Quarta Revolução Industrial. Segundo ele, esta revolução aprofundaria elementos da Terceira Revolução, a da computação e faria uma “fusão de tecnologias, borrando as linhas divisórias entre as esferas físicas, digitais e biológicas”. Esta nova revolução, unindo mudanças socioeconômicas e demográficas, terá impactos nos modelos e formas de fazer de negócios e no mercado de trabalho. Afetará exponencialmente todos os setores da economia e todas as regiões do mundo. Mas não do mesmo modo. Haverá ganhadores e perdedores. “As mudanças são tão profundas que, da perspectiva da história humana, nunca houve um tempo de maior promessa ou potencial perigo”. Administrar essa mudança de paradigma é o processo de transição essencial para assegurar a estabilidade econômica e social e consequentemente a sobrevivência das empresas. O grande desafio, segundo Schwab, é que as autoridades políticas e executivos frequentemente são prisioneiros do pensamento tradicional ou estão tão absorvidos por questões imediatas para pensar estrategicamente sobre as formas de disrupção e inovação que estão modelando o futuro.

A quarta revolução se apoia na terceira, conhecida como revolução digital, e que permitiu a proliferação de computadores e smartphones. Esta nova onda de transformações difere das anteriores por três razões:

a) As inovações nunca foram difundidas tão rapidamente como agora,

b) A queda dos custos marginais de produção e o surgimento de plataformas que agregam e concentram atividades em vários setores elevam a economia de escala,

c) Essa revolução afetará todos os países e terá impactos sistêmico em várias áreas.

O consumidor, por exemplo, fica, a cada dia mais engajado e transforma-se em “ consumi-ator”, como novas maneiras de usar a tecnologia para mudar comportamentos e sistemas de produção. O mercado de trabalho será afetado dramaticamente, inclusive com trabalhos intelectuais mais repetitivos substituídos pela robotização, com intenso uso de Inteligência Artificial. As mudanças não são perspectivas, mas reais. Já estão aí. As empresas precisam se antecipar e preparar-se para elas. É questão de sobrevivência e não opção.

Diante deste cenário, como ficará o CIO? A função de manter “as luzes acesas” continua, mas as “luzes estarão acesas” em data centers espalhados por provedores de serviços de nuvem. Os sistemas legados também continuam, mas novos sistemas os substituem pouco a pouco. Os ERPs, que eram o motivador de muitas áreas de TI, perdem seu espaço, tornando-se legados e comoditizados. Os novos sistemas, apps móveis, contextuais, baseados em algoritmos de IA, muitas vezes estão sendo desenvolvidos fora da TI atual, em startups ou em labs que não estão ligados diretamente à TI.

O que fazer então para não perder a relevância profissional? Vejo com satisfação que muitos CIOs estão começando a agir, mas observo que muitos outros CIOs, embora já investindo em tecnologias como mobilidade, IA e Cloud Computing, ainda fazem ações isoladas e desconectadas das estratégias de transformação dos negócios. Alguns ainda falam em “estratégia de cloud”, “estratégia de mobilidade” e “estratégia de IA” como se fossem ações isoladas e independentes. Não são. Cloud computing será a nova infra, mobilidade (apps e chatbots) será é o meio de acesso a informação, mídias sociais refletem os hábitos da sociedade (seus clientes e funcionários) e IA serão a base de muitas “killer applications” que darão vantagem competitiva. São parte integrante e indissolúveis da transformação digital e tentar desenhar estratégias isoladas para cada uma é o primeiro sintoma do insucesso à frente. A disrupção ocorre na convergência tecnológica e não na adoção de uma ou outra tecnologia, isoladamente.

Para continuar relevante, os CIOs precisam assumir de forma estratégica e proativa a liderança da transformação dos negócios, sendo o interlocutor de tecnologia junto ao CEO e aos demais C-levels. Não podem continuar exercendo apenas uma função operacional. Tem que sair do contexto atual, exemplificado com primor por um CIO americano que disse “My former boss used to say: “there are only two types of projects: business successes and IT failures”.

Isso implica em mudanças significativas, principalmente contratando e mantendo expertise adequada para novas expectativas tecnológicas, que vão muito além de desenvolvedores Java e gerentes de rede. Muda o perfil da TI, muda o perfil de seus profissionais, e muda o perfil do CIO.

Sim, o CIO pode reocupar o espaço que está sendo perdido. Mas, tem apenas duas alternativas: assumir a liderança de execução do processo de transformação digital ou perder de vez a relevância. Mas para assumir a liderança da transformação digital, significa agir, sair da casca e da zona de conforto. Deve começar a considerar como benchmark as empresas nativas digitais como Amazon, Spotify, Netflix, Google, e o que outras indústrias, de outros setores, estão fazendo. As “best practices” do seu setor podem não ser as que oferecem as melhores experiências digitais para os seus clientes. Seu setor, como um todo, pode estar caminhando em bloco para a obsolescência. O CIO precisa ampliar seu horizonte.

A transformação digital muda o cenário para o qual o CIO foi preparado: estável e planos estratégicos de TI para cinco anos. Hoje o competidor não está no radar e você nem sabe quem ele é. É uma startup que que o CIO nem ouviu falar. E que não usa as mesmas regras de negócio com as quais ele está acostumado a conviver!

Qual o cenário competitivo a que o CIO deve se acostumar? Deve entender que a mudança faz com que o cenário atual de setores de indústria bem definidos, com competidores estabelecidos e conhecidos, muda para setores convergindo e assumindo atividades uns dos outros. Que os parceiros e clientes de hoje serão seus competidores amanhã. Que startups desconhecidas, podem crescer de forma rápida e tomar o espaço tão arduamente conseguido por empresas estabelecidas há décadas. Que os usuários cada vez mais empoderados pela tecnologia digital, sabendo mais sobre seus produtos que você mesmo, opinam e influenciam o mercado com mais intensidade que suas campanhas de marketing. Que novos modelos econômicos como a “shared economy” podem mudar por completo o seu modelo de negócios.

Neste cenário desafiador e volátil, para continuar relevante, o CIO deve entender que a transformação digital vai atingir de forma disruptiva todos os setores, em maior ou menor grau. E que é a base da fundação de uma transformação muito mais ampla, que é a transformação dos negócios na era digital. Portanto é apenas o ponto de partida, a base, que vai permitir construir novos e inovadores negócios. A questão não saber é se estes negócios serão construídos. Eles serão. A questão é se o CIO quer participar do jogo ou ser mero espectador.

--

--

Cezar Taurion
Cezar Taurion

No responses yet